Jesus de uma paixão renovada No ano da 55ª edição da Paixão de Cristo de Nova Jerusalem, Allan Souza Lima, que interpreta Jesus, conversa sobre a experiência no espetáculo

André Guerra

Publicação: 19/03/2024 03:00

A Paixão de Cristo de Nova Jerusalém chega à temporada de 2024 comemorando 55 anos de sua estreia e será realizada entre 23 e 30 de março, tradicionalmente durante a Semana Santa, no Brejo da Madre de Deus, região Agreste de Pernambuco. Considerado o maior espetáculo ao ar livre do mundo, a peça tem, nesta edição, a presença especial do ator e multiartista pernambucano Allan Souza Lima, no papel de Jesus, já interpretado por grandes nomes nacionais, como Fábio Assunção, Thiago Lacerda, Gabriel Braga Nunes, Klebber Toledo, entre outros. 
O ator, que recentemente vem se destacando como um dos protagonistas da elogiada série Cangaço novo, recentemente renovada para uma segunda temporada no Prime Video, está há alguns meses se preparando para o papel, que já sente como parte de uma transformação em sua carreira e em sua trajetória espiritual. Com passagem por longas-metragens como Aquarius, A menina que matou os pais e O matador, Allan vem desenvolvendo suas habilidades como diretor, produtor e ainda na fotografia.
Ao Viver, ele conta um pouco desse processo de incorporar ao longo de um bom tempo aquele que é tido como ‘o maior personagem de todos os tempos’ para tanta gente.
 
Entrevista: Allan Souza Lima // Ator 
 
Qual foi sua reação ao receber o convite para um papel com toda essa dimensão?
O convite chegou por volta de novembro do ano passado, através de Marina Pacheco, atriz e figurinista, de quem eu já conhecia a família e já tinha uma relação de bastante amizade. Fiquei extremamente feliz de poder encabeçar uma obra como essa, fazendo Jesus em um espetáculo que tem todo um legado enorme, especialmente em Pernambuco, e que de alguma forma era o que estava fazendo falta na minha trajetória para cumprir. Foi uma relação profissional intensa que passou a ser desenvolvida a partir desse convite e que veio num momento maravilhoso.

Você já chegou a ir como espectador à Paixão? Qual a sua relação pessoal com o espetáculo?
Tenho uma recordação muito forte de ir pequeno, com algo entre 7 e 8 anos, à Paixão de Cristo com o meu avô e ter sido uma experiência muito forte. A imagem dele segurando a minha mão no meio da multidão me marcou muito, mesmo que nos anos seguintes eu jamais retornei e, com toda a nossa correria da vida de ator, não tenha acompanhado pela televisão tanto quanto gostaria.

Em que medida é possível imprimir novas inflexões ao texto ou à encenação de uma peça que tem um cânone e uma estrutura tão rígidas a serem seguidos?
Sendo muito sincero, por ter uma tradição fortíssima, existe um padrão a ser seguido sim, mas quando me chamaram, e acredito que também pelo meu processo como ator ser bastante específico, tivemos conversas muito respeitosas sobre a retratação do personagem. De certa forma, estamos aqui para conhecer as regras e para quebrar algumas também. Eu propus algumas coisas: optei, por exemplo, por um lado mais sujo do personagem, por conta principalmente da época, da demografia e de todo o contexto, em que as pessoas não tinham saneamento básico, viviam em uma região seca e caminhavam longas distâncias o tempo todo. Tanto que no tratamento do cabelo e da maquiagem, sempre pedi para não fazer nenhum tipo de tratamento que abra mão dessa sujeira, dessa poeira no rosto e desse cabelo maltratado.

Em que medida essas suas propostas para a abordagem foram incorporadas no resultado final do projeto que o público vai assistir?
Acho que tudo é uma questão de conversa e respeito. Não posso ir contra toda uma tradição, mas sempre trago argumentos e eles são no geral muito bem vistos, porque trocamos muita ideia durante todo o processo, com a direção, com os atores, durante o processo de dublagem, que é também muito específico e exige uma dedicação grande de todos nós. Minha principal intenção era trazer Jesus para uma dimensão menos aclamada e mais internalizada, mais próxima de um certo realismo, que, no caso do teatro, é bem mais difícil de conseguir equilibrar, ainda mais em um texto tão conhecido. Mas meu método como ator é de um certo esvaziamento de algo para ir preenchendo de maneira mais limpa e crua - e, nesse processo, busquei trazer esse personagem para uma dimensão mais próxima, mais humana.