Lobby mira mercado de R$ 12 bilhões Apesar das críticas em relação aos "discretos" avanços do decreto de Bolsonaro, empresas de armas nacionais e estrangeiras refazem as contas de lucros

Publicação: 21/01/2019 09:00

Como no jogo de guerra de tabuleiro, o lobby da indústria das armas venceu uma das mais importantes batalhas. Depois de longos 15 anos, os “mercadores da morte”, como são conhecidos na Esplanada os representantes das empresas de revólveres e pistolas, recuperaram um território perdido: o comércio de produtos de calibres leves para o cidadão. O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira, porém, favorece apenas poucos jogadores nacionais. O maior lance de um mercado avaliado em cifras iniciais em R$ 12 bilhões está por vir: a autorização para que companhias estrangeiras vendam os armamentos em terras brasileiras.

A partir de entrevistas com representantes da indústria de armas nacionais e estrangeiras e cruzamentos de dados de pesquisas acadêmicas, o Correio Braziliense/Diario de Pernambuco revela o jogo dos bastidores de políticos e de lobistas que voltaram ao centro do tabuleiro depois da implantação do Estatuto do Desarmamento de 2003. A lei proibiu o porte de armas por civis, deixando apenas algumas brechas para necessidade comprovada. Há poucos dados confiáveis sobre o mercado de armas no Brasil, mas, com o estatuto, o país definitivamente deixou de ser atrativo, pois, além das regras mais rígidas, havia a proibição de importação, um monopólio que favorecia apenas duas empresas nacionais: a Taurus e a Imbel, uma estatal brasileira de baixo alcance em relação aos jogadores estrangeiros.

Números levantados pela reportagem, dentro Pesquisa Industrial Anual (PIA), do IBGE, mostram que, entre 2010 e 2014, os lucros das empresas de armas e munições brasileiras mantiveram um patamar de R$ 350 milhões em vendas, incluindo na conta a Taurus, a Imbel e a CBC, uma empresa de cartuchos. O último levantamento da PIA, de 2015, não apresenta números, por causa do risco de exposição estratégica da indústria nacional. A CBC comprou a Taurus em 2014 — em um negócio avaliado na época em R$ 121 milhões — formando uma única empresa e deixando o país com apenas duas indústrias, incluindo a Imbel. Se a Taurus chegou a ter desempenhos positivos até o início dos anos 2000, inclusive com exportações para outros países, hoje passa por uma crise de imagem entre consumidores civis e agentes de segurança por causa de defeitos detectados em determinados tipo de pistola.

Engana-se quem pensa que as mudanças e a animação do mercado iniciaram no momento que Bolsonaro e os aliados simularam arminhas com as mãos durante a campanha presidencial do ano passado. Uma movimentação silenciosa ante o forte monopólio da Taurus/CBC começou ainda em 2017, no governo Michel Temer. Primeiro pelas licitações abertas pelas forças de segurança no Brasil, que abriram o mercado a empresas estrangeiras. Depois, pela autorização para que uma fábrica de munições, a suíça Ruag Indústria e Comércio Ltda. se instalasse no Brasil, quebrando um monopólio de quase 90 anos da indústria brasileira — voltamos a essa história em instantes. No primeiro caso, a austríaca Glock conseguiu as principais vendas naquele período com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) que comprou 10 mil pistolas para serem usadas pelos agentes da corporação ao custo de R$ 18 milhões.

O edital da PRF, que chegou a ser questionado, revelou os bastidores da disputa bilionária pelo mercado de armas no Brasil. A audiência realizada pela corporação no dia 18 de outubro de 2017, em Brasília, que contou com a participação de oito empresas, duas nacionais e seis estrangeiras, em busca de um nicho comercial com números iniciais na casa dos R$ 2,5 bilhões, referentes ao universo de integrantes das forças de segurança no Brasil. O Exército passa a ser agora o centro das atenções por causa da pressão das empresas estrangeiras para que o mercado brasileiro se abra às importações, pois um ponto no regulamento em vigor as proíbem, caso existam produtos similares fabricados em território nacional.

Saiba mais
  • 119.484 armas foram apreendidas em 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  • 13.782 armas legais foram perdidas, extraviadas ou roubadas em 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Entenda os valores
  • Para chegar ao potencial do mercado brasileiro, o Correio Braziliense/Diario de Pernambuco fez uma análise de dados disponíveis sobre a produção de armas (nacionais e importadas) e clientes em potencial identificados no cadastro de motoristas habilitados — que passam por teste psicotécnico — e estão livres de condenações ou processos criminais, verificados em levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
  • Além disso, foram consideradas pesquisas de opinião feitas nos últimos cinco anos
  • A reportagem chegou, assim, a uma conta conservadora de 6 milhões de pessoas (algo em torno de 5% da população com mais de 25 anos) dispostas a ter uma arma em casa
  • A conta seguinte foi multiplicar eventuais consumidores com o preço médio de um revólver calibre .38, cerca de R$ 2 mil
  • Os valores podem ser maiores, considerando o fato de que cada cidadão poderá adquirir até quatro armas, e uma pistola calibre .380 custa no mínimo R$ 4 mil
  • Os números são uma expectativa a partir das regras definidas pelo decreto que flexibiliza a posse de armas, e foram confrontados junto a representantes de empresas nacionais e estrangeiras de armas
  • Nos Estados Unidos, para efeito de comparação, 30% da população adulta possuem armas, segundo pesquisa do Pew Research Center, de 2017