ENTREVISTA CRISTOVAM BUARQUE » "A educação deve ser uma preocupação do presidente, não do prefeito" Ex-senador e ex-ministro da Educação

TEXTO: ANAMARIA NASCIMENTO
anamaria.nascimento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 25/05/2019 09:00

Sem pretensão de voltar a concorrer a um cargo político, o ex-senador e ex-ministro da Educação no primeiro mandato do Governo Lula, Cristovam Buarque, quer se dedicar a um movimento em defesa da educação. “Um movimento para que o filho do pobre estude na escola do rico”, defende. Em entrevista ao Diario, o pernambucano, criado no bairro das Graças, Zona Norte do Recife, falou sobre os rumos da educação brasileira em tempos de contingenciamento financeiro nas instituições federais de ensino. Segundo ele, a presença de estudantes nas ruas é motivo de comemoração e um sinal de esperança. Buarque comentou ainda sobre as manifestações ocorridas no último dia 15; falou das impressões sobre o Centro Comunitário da Paz (Compaz) Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha, que visitou durante a viagem de 10 dias ao Recife, e reforçou a posição contrária ao projeto Escola Sem Partido. “Lamento que o governo Bolsonaro e a oposição não tenham propostas para a educação brasileira”, disse.

Como o senhor avalia os bloqueios nas contas das instituições federais de ensino do país?
Temos que analisar dois aspectos: o financeiro e o educacional. Do ponto de vista financeiro, até entendo que os governos, de vez em quando, tenham necessidade de fazer contingenciamento. Isso faz parte das contas que a gente faz em casa. O que eu lamento profundamente é que, antes de fazer na educação, pode-se fazer em outros setores. Alguns gastos que não resolveriam o problema poderiam ser cortados até pelo impacto emocional. Cortar mordomias, desperdícios. Na semana do contingenciamento, o Supremo Tribunal Federal comprou lagosta, vinho, uísque. Aquele dinheiro não dava para cobrir o déficit, mas tinha um simbolismo. O mais grave é que o ministro (Abraham Weintraub) justificou num primeiro momento que era para acabar com balbúrdia nas universidades. Isso foi lamentável e de uma falta de sensibilidade para mostrar o contingenciamento como uma necessidade. Dizer que quer coibir balbúrdia é uma perseguição às universidades.

E os cortes também afetam a educação básica...
Isso, para mim, é mais grave ainda. Você até pode ter uma educação básica boa sem uma universidade, mas é impossível ter uma boa universidade sem a educação de base. Estão caindo prédios pelo Brasil afora, como aconteceu nesta semana aqui mesmo no Recife; represas estão se rompendo por falta de base. O mesmo acontece com a educação. Ela está ruindo. Não só por falta de dinheiro, mas existe um contingenciamento estrutural, ou seja, falta de alunos que entrem na universidade bem preparados. Está faltando porque aumentamos o número de alunos na universidade antes de aumentar o número de jovens que terminem o ensino médio com qualidade.

E a instabilidade no MEC, com a substituição de cargos, troca de ministros, como prejudica as políticas educacionais?
Prejudica muito, muito. Em todo lugar onde a educação está dando certo, o secretário está no cargo há muitos anos. Passa de secretário para outro mantendo os mesmos programas. A continuidade na educação é fundamental, mas isso não é só no governo Bolsonaro.

O senhor voltaria a ser ministro da Educação?
Acho uma hipótese tão rara, mas é diferente de ser candidato, que não quero mais. Dá vontade de retomar os meus projetos. Um é erradicar o analfabetismo de adultos. Eu ia fazer isso se ficasse quatro, cinco anos. O outro seria o programa de federalização das escolas. Esse projeto duraria 20, 30 anos. Muitas escolas públicas são administradas por prefeituras pobres, mas a educação é uma questão nacional. Deve ser uma preocupação do presidente, não do prefeito. O primeiro desafio é sair da municipalização para a federalização. A ideia é substituir, pelo menos nos municípios que quiserem, escolas municipais e estaduais por federais. Comecei em 19 cidades. Ia levar dois, três anos para fazer nessas cidades, bem pequenininhas. Não tem como a educação ser igual para pobres e ricos estando nas mãos dos prefeitos porque eles são pobres. Mesmo que você jogue dinheiro, eles não têm professores preparados, gestão.

Como o senhor se sentiu ao ver a reação de estudantes e professores nos protestos de 15 de maio?
Fiquei contente de ver as mobilizações dos jovens nas ruas. Mostra que eles estão vivos. Por outro lado, não gostei porque não vi algumas faixas. Senti falta de algumas bandeiras. Queria ter visto uma faixa dizendo que precisamos erradicar o analfabetismo adulto. São 10 milhões de pessoas. Universitário parece que não sabe que tem 10 milhões de adultos analfabetos. Queria ter visto uma faixa dizendo que é preciso aumentar o piso nacional do salário do professor. Mesmo assim, gostei de ver os jovens nas ruas.

Em 2017, o senhor foi designado relator do projeto (PLS 193/2016) para a inclusão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) do Programa Escola Sem Partido, mas entregou relatório pela rejeição da proposta. Como o senhor vê essa discussão hoje?
Não faz sentido escola sem partido, mas a escola não pode também ser de um partido só. Tem que ter liberdade para que os partidos funcionem. É uma proposta inconsequente. Eles queriam escola do partido deles. O que me chateia é ficar nesse debate em vez de estar como fazer uma escola boa. Um problema que temos hoje é que o governo Bolsonaro não tem propostas para a educação, e a oposição também não. Tenho reclamado muito no meu partido que estamos discutindo muito as pautas que os bolsonaristas trazem.

O senhor conheceu o Compaz Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha, na última semana. O que achou do trabalho desenvolvido na unidade?
Não sei se isso vai se espalhar para toda a crise de violência que enfrenta o país. O Compaz tem um pequeno impacto no desemprego, por exemplo. Então, não sei. No entanto, me deu uma excelente impressão ver tantas crianças, tantos jovens ali, tantas mulheres. Fiquei impressionado com o trabalho, com a bela biblioteca.

Quais são os seus próximos projetos?
Tem uma coisa que eu penso e desejo realizar. Não seria uma ONG, mas um movimento pela igualdade na educação para todos. Um movimento pelo direito à escola de qualidade para todos. Um movimento para que o filho do pobre estude na escola do rico. Esse movimento ainda pode ser que me anime. Seria uma salinha, sem grandes coisas, sem precisar de apoio de empresário. Hoje, participo ativamente do Todos pela Educação (organização sem fins lucrativos composta por diversos setores da sociedade brasileira com o objetivo de assegurar o direito à educação básica de qualidade para todos os cidadãos até 2022, ano que se comemora o bicentenário da independência do Brasil). Do ponto de vista da melhoria, não tenho muito a acrescentar em relação ao Todos pela Educação, mas quero dar um salto.