DIARIO NOS BAIRROS » Irene: um símbolo de alegria e resistência Publicitária fez das Graças cenário para sua história de vida e, em casa, mantém fortes referências familiares

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/07/2018 03:00

Irene pode ser considerada um símbolo. Aquela que representa a resistência à especulação imobiliária. Que não só habita. Mora onde e como quer, cercada pelas memórias que preenchem a vida dela há exatos 60 anos, desde que foi adotada aos oito meses de vida pelo casal Amália e Abel e, com sorte, acabou sendo apresentada à Rua da Amizade. Irene Beltrão adora aquela casa estreita à moda antiga, a de nº 72, erguida em 4,5 metros de largura por 45 metros de profundidade, com porta e janela frontais de madeira. Que, singular, impõe-se entre o concreto de prédios do entorno. Piso de ladrilho hidráulico em cada cômodo, ocupada por móveis da época da mãe dela, memórias e histórias que se estendem pelo bairro das Graças inteiro. Ali, Irene é popular. Acena e responde aos bom dia festivamente, chama vizinhos e comerciantes pelo nome.

“Ah, tem muitos. Seu Santero ali bem perto. Tem doutor Ednilson; Genival Simões, que todo mundo conhece como professor Simões”, cita, só para começar. Para ela, nas Graças nada é impessoal e qualquer referência a faz lembrar de alguém. Da Rua da Amizade, Irene segue para a Quitandinha, comércio de frutas e verduras, de Dôra. Pode optar pela Padaria Pão e Vinho, de Sérgio; a Pão de Padaria, de Júnior; ou a nova e chique padaria artesanal, a Vila Amizade, que é de Francisco. “Ele (falava de Francisco, agora empresário) mora aqui bem pertinho”. Se estiver doente, Irene lembra logo da Drogaria Quatro Cantos, de seu Diniz.

Para a Rua da Amizade, a publicitária e responsável por projetos de iniciação científica da Faculdade Esuda chegou em um feriado de Corpus Christi. O pai adotivo, um português, era proprietário da mercearia da esquina. “Minha vida era correr para buscar isso e aquilo que faltava em casa no final de semana”, conta, falando do arroz, feijão e suprimentos alimentícios. Não existiam supermercados grandes; entregavam-se compras domésticas em domicílio assim: “Um rapazinho andava com um caixote na frente da bicicleta e anotava tudo na caderneta. No final do mês o freguês pagava”. Enquanto crescia com os primos Beta e Abel, brincava de pular corda transpassando-a de um lado para o outro da calçada e ocupava o tempo comendo bombons e tomando refrigerantes. “Não tínhamos limites e podíamos tomar guaraná caçulinha o dia inteiro”, lembra, rindo, Irene. “Vivi muitas emoções neste bairro”.

Foram tantas que quando dona Amália, a mãe, cogitou se mudar depois de o marido morrer. Irene pôs-se a chorar. Tinha cerca de 15 anos e já não admitia a possibilidade. “Nunca pensei em sair daqui”. Da porta de casa, levanta a vista e faz um passeio pelo passado não tão distante. De quando jovens ocupavam barzinhos instalados na vizinhança; e ela curtia aquela agitação, diferente de outros tantos que se inquietavam pela quebra de rotina do bairro nas décadas de 1980 e 1990.

O tempo passou. E o que mudou, Irene? “As casas bonitas foram transformadas em prédios, amigos da minha infância não estão mais aqui, agora enfrentamos o problema da falta de estacionamento”, relata secamente, sem se lamuriar e tendo o rosto iluminado ao falar sobre o que ficou. “As árvores e o clima do bairro das Graças. É um bairro muito alegre e feliz”. A começar por ela mesma, Irene, a resistente. A dona de um dos abraços mais acolhedores da Graças.