Casa Amarela pelos seus moradores

Publicação: 14/09/2018 09:00

Casa Amarela é um bairro recheado de tradições e a reportagem do Diario de Pernambuco, como sempre faz nas edições do Diario nos Bairros, foi atrás de três moradores que, de alguma forma, representem a população daquela área. Jailson de Oliveira, Canibal e Rivandro França esbanjaram orgulho em falar dos locais onde não deixam de levar uma visita, e aí o Mercado de Casa Amarela é quase um ponto obrigatório. Eles também puxaram da memória o que o bairro permite trazer de lembranças das suas infância. Isso, sem deixar de falar sobre o que a região precisa melhorar.
  1. Jailson de Oliveira – 49 anos,  poeta e agitador cultural.
  2. Canibal – 47 anos,  músico
  3. Rivandro França - 40 anos,  chefe de cozinha 
O que gosta mais no bairro? Quando recebe visitas vindas de outros estados, o que não deixa de mostrar a elas?

Jailson de Oliveira - Gosto deste bairro ferozmente. Pelas amizades construídas, pela identidade de luta e resistência. Quando recebo alguém de fora, quase sempre gosto de mostrar a Praça do bairro, o Mercado Público, a Praça do Morro da Conceição, o Sítio da Trindade, os bares, a sede do Poesis (espaço onde desenvolvemos ações relacionadas à poesia e atividades culturais), a casa de lideranças culturais e políticas. Gosto de mostrar que o bairro tem vida, história e não deve nada a ninguém.

Canibal - O Sítio da Trindade, o Mercado de Casa Amarela (bem legal para quem gosta de comida caseira), o Jabá (localizado na Beira-Canal, do lado do Sesc). Gosto do bar de Dona Maria, que chamávamos, antigamente, de Antena, porque era onde ficava a antena de uma rádio local. Sempre jogamos futebol todas as quintas-feiras e, no final, é lá que fazemos nossas resenhas. Costumo, também, subir o Alto José do Pinho para levar as pessoas ao Caldinho do Biu, à Fava de João, ao Bar da Geralda no Morro da Conceição e nos vários cafés perto do Sítio da Trindade. Aqui, gosto de preservar a conversa pessoal, olho no olho, sem ficar restrito ao WhatsApp.

Rivandro França - Sempre apresento a Feira de Casa Amarela para alunos de gastronomia e já levei até lá grandes chefs de cozinha como Alberto Landgraf, Flávia Quaresma e Mara Sales. Acredito que, apesar de ser a mais onerosa do Recife, é também a mais rica em sortimentos, iguarias e sabores que, às vezes, não se encontra nem mesmo em hipermercados. Por isso, 90% do que vendo sai de lá e dos mercados locais. Gosto também de subir ao Morro da Conceição e levar as pessoas até o Bar da Geralda. Apesar de não ser católico, gosto do caráter cultural do morro, de mostrar Casa Amarela lá de cima e costumo presentear meus visitantes com biscoitos para comer no local, literalmente, rezando.

O que precisa melhorar em Casa Amarela?

Jailson de Oliveira - A feira, a limpeza das ruas, o Sítio da Trindade. É preciso, também, que haja melhor estrutura de sua praça para abrigar mais ações culturais. Casa Amarela precisa se refazer. Gostaria que fossem construídas ações políticas ligadas às necessidades locais. Que a comunidade pudesse apresentar projetos à prefeitura e ela começasse a executá-los.

Canibal - Locomoção. É preciso, também, pensar em políticas públicas que possam dar mais visibilidade às atividades culturais de Casa Amarela, um bairro muito forte culturalmente falando, mas onde os próprios moradores não conseguem ter acesso à cultura. O Sítio da Trindade, por exemplo, possui um anfiteatro maravilhoso, que já foi muito usado na década de 1980. Já participei de muitos festivais lá, inclusive, mas está quase inativo, a não ser por ações pontuais. A feira também poderia ser um lugar legal para eventos. Nas ruas, é preciso pagar por qualquer atividade que se queira fazer (devido à política de uso do solo) e isto não é barato. Outra coisa: a ciclovia não chegou próxima a locais como Alto José do Pinho, Morro da Conceição e toda a Avenida Norte.

Rivandro França - Quando cheguei, a feira acontecia no meio da rua e havia muita desorganização. Cheguei a comprar lona para os feirantes não colocarem seus produtos no chão. Então, acho que isto já melhorou desde que eles foram para o pátio. Ainda assim, tanto lá quanto no Mercado, falta requalificação, investimento e cuidados com higienização. Faltam políticas para torná-lo mais atrativo do ponto de vista turístico. É um local que tem muita qualidade e é preciso que tenha mais apoio.

Quais as suas memórias afetivas em relação a Casa Amarela?

Jailson de Oliveira - Nossa Casa Amarela, Alto José do Pinho, periferias de uma maneira geral, carregam uma memória e uma afetividade de que a sociedade inteira precisa. Quanto às minhas memórias, assistir ao Bumba Meu Boi é a primeira imagem que vem à minha cabeça. Assim como as brincadeiras populares que nos alimentavam: tocávamos violão, fazíamos seresta. Manifestações como maracatu, afoxé e caboclinho acabaram ficando restritos aos ciclos definidos pelo calendário da administração municipal e não mais de forma espontânea, como havia antigamente. Antes, também vínhamos muito peão, bola de gude, brincadeira de queimado, numa época em que a frente da casa do vizinho virava quintal de todo mundo.

Canibal - Quando moleque, ia jogar futebol no da Sítio Trindade onde havia vários campos. Lembro das festas mais acessíveis que existiam lá, no Alto José do Pinho, da Manhã de Sol, da Cubana, e de festivais de rock na concha acústica. Havia muitos circos e levávamos os brinquedos para brincar na rua.

Rivandro França - Nasci na Encruzilhada e passei minha infância em Olinda. Venho de uma família muito humilde e minha paixão por Casa Amarela vem desde esta época. Isso porque quando começamos a melhorar um pouco de vida e adquirir móveis melhores, era lá que íamos comprar. A primeira estante tubular, o primeiro guarda-roupas de três portas, a primeira bicicleta, aos 16 anos. Tudo era adquirido em Casa Amarela. Então, para mim, era como uma Times Square (EUA) ou uma Rua 25 de Março (São Paulo) dos meus sonhos (risos).