DEMéTRIO // MAGNANI » "Nordeste é uma região onde o varejo de vizinhança pulsa" Especialista no mercado varejista

SÁVIO GABRIEL
savio.gabriel@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/10/2018 03:00

Com três décadas de experiência no mercado varejista, o especialista Demétrio Magnani afirma que o cenário brasileiro é desafiador. Em sua avaliação, é preciso pensar estratégias para melhorar o relacionamento com os clientes, aumentando assim os níveis de produtividade. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, ele também falou sobre sua experiência enquanto empreendedor – Magnani é fundador da Futuretail, consultoria voltada aos micro, pequenos e médios empresários do varejo. “Após 30 anos de experiência em grandes redes, contribuir para o sucesso do setor passa a ser muito mais que um negócio, passa a ser um propósito de vida”.

Demétrio desembarca no Recife nesta semana, onde vai ministrar palestra na próxima quarta-feira sobre varejo de vizinhança. O evento faz parte da programação do Cedepe Trade Center, promovido pela Cedepe Business School, que vai discutir as tendências e as novidades do mercado em diversos segmentos. O varejo de vizinhança é a tendência de grandes redes do setor de apostar em lojas menores, no estilo de mercados de bairro, e que está presente no Brasil, segundo Magnani, desde a década de 1970.

Sobre o assunto, o especialista diz que, muito embora a tendência não seja necessariamente algo novo, o Nordeste é uma das regiões que mais se destaca no cenário nacional, com grandes redes regionais atuando nos estados, especialmente em Pernambuco. Muito embora esse movimento ajude na interiorização de grandes marcas, as gigantes do setor também enfrentam desafios. “As grandes redes possuem uma enorme dificuldade para competir com redes regionais, uma vez que as redes regionais possuem uma proximidade com o consumidor regional muito maior, valorizando, por exemplo, marcas de produtos regionais, muitas vezes desconhecidas pelas estruturas comerciais do grande varejo”.

Enquanto profissional, Magnani atuou nos setores de operações, desenvolvimento de pessoas, gerenciamento de categorias, marketing, entre outros. Além da experiência no mundo corporativo, ele também atua no ambiente acadêmico e diz que, no âmbito das universidades, há discussões sobre o futuro do varejo. Ele também falou sobre as tendências que devem se consolidar na próxima década. “Posso citar iniciativas de IOT (internet das coisas) para potencializar o nosso atual nível de produtividade, iniciativas do mais alto nível de omnichannel (múltiplos canais) praticadas pelo AliBaba, reconhecimento facial como ferramenta de melhoria de serviços, realidade virtual como ferramenta de treinamento, integração do online com o offline, novos meios de pagamento e outras iniciativas”.

No entanto, Magnani destaca que com as incertezas no cenário político e econômico brasileiro para os próximos anos, o sucesso de tais tendências vai depender dos rumos que a economia brasileira tomar a partir de 2019.

Pesquisas têm apontado que o varejo de vizinhança é uma tendência no setor, tanto no Brasil como na América Latina. Nesse cenário, tem alguma região do Brasil com maior potencial para o desenvolvimento dessa atividade? Como o Nordeste está inserido nesse contexto?
O varejo de vizinhança é um fenômeno global já de longa data. Na década de 1970, formatos de desconto já estavam presentes no Brasil. Um bom exemplo foi o Balaio e o seu inesquecível slogan Quer moleza, vai no Balaio. Ainda na década de 1970, as redes regionais emplacaram nas periferias e cidades do interior. Eu não diria que alguma região tenha maior destaque, mas certamente posso afirmar que temos vários Brasis dentro do nosso Brasil, o que certamente demanda análises específicas e adequações em função de cada região. O Nordeste é uma região onde o varejo de vizinhança pulsa. Existem diversas redes regionais competentes atuando nos estados nordestinos, com destaque especial para Pernambuco.

O varejo de vizinhança, de certa forma, contribui para a interiorização de grandes marcas do setor?
Muitas vezes, uma loja de vizinhança atuante nas capitais acaba se tornando referência em cidades do interior, mas, também, as grandes redes possuem uma enorme dificuldade para competir com redes regionais, uma vez que as redes regionais possuem uma proximidade com o consumidor regional muito maior, valorizando, por exemplo, marcas de produtos regionais, muitas vezes desconhecidas pelas estruturas comerciais do grande varejo.

Esse é um movimento que atinge bairros de todas as classes sociais, ou as grandes redes miram as regiões com maior poder aquisitivo?
Por definição, os formatos de vizinhança são formatos que tem na “proximidade” o principal atributo. Temos bons exemplos de bandeiras de vizinhança atuando junto as classes sociais AB, Minuto Pão de Açúcar por exemplo, e bandeiras de vizinhança que atuam junto às classes populares, o TodoDia, por exemplo.

O fortalecimento dos canais de e-commerce das grandes redes varejistas, em que é possível por exemplo fazer a feira sem sair de casa, não seria algo que no longo prazo poderia prejudicar a consolidação das lojas de bairro?
Atualmente, as vendas do e-commerce representam 4% das vendas do varejo tradicional, isso porque essa média é fortemente impactada pelo varejo de eletrodomésticos. Outro importante fator é o fortalecimento a cada dia que passa do O2O, online to offline, transações que iniciam no online e terminam no varejo físico. Não vejo o e-commerce prejudicando, e sim desafiando o varejista tradicional na busca de formação acadêmica e na necessidade de acessar tecnologia, não só para conduzir a comercialização de produtos como também na gestão do negócio.

Há quem diga que o varejo de vizinhança prejudica os tradicionais comerciantes que antes atuavam nos bairros, fazendo com que muitos fechem as portas. Como solucionar a questão?
Não concordo com esta afirmação. Atuei por anos no varejo da região Nordeste e nunca testemunhei fragilidade no pequeno comerciante, muito pelo contrário, o que sempre presenciei foi competência, um excelente senso do “ser comerciante” e a constante abertura de novas lojas independentes.

Enquanto profissional, você atuou em empresas de grande porte do segmento varejista, mas decidiu empreender com atuação voltada aos micro, pequenos e médios empreendedores. Por que o foco específico neles?
Das 90 mil lojas do setor supermercadista existentes no nosso país, a maioria esmagadora é composta por pequenos e médios varejistas. Após 30 anos de experiência em grandes redes, contribuir para o sucesso do setor passa a ser muito mais que um negócio, passa a ser um propósito de vida.

Além do varejo de vizinhança, que outras tendências devem chegar ao setor na próxima década? Do ponto de vista acadêmico já existe algo sendo discutido?
Temos sim algumas iniciativas por serem integradas ou melhor disseminadas no varejo nacional. Posso citar iniciativas de IOT (internet das coisas) para potencializar o nosso atual nível de produtividade, iniciativas do mais alto nível de omnichannel (múltiplos canais) praticadas pelo AliBaba, reconhecimento facial como ferramenta de melhoria de serviços, realidade virtual como ferramenta de treinamento, integração do online com o offline, novos meios de pagamento e outras iniciativas. Sim, existem instituições de ensino desejando contribuir fortemente com a disseminação de conhecimento. Fico muito feliz por ter sido convidado pela escola de negócios Cedepe para proferir uma palestra sobre varejo de vizinhança, desafios e oportunidades no próximo dia 24 de outubro.

De modo geral, como você observa o desenvolvimento do varejo brasileiro em comparação ao que vem sendo desenvolvido em outros países?
Temos um mercado infinitamente mais nervoso e desafiador. Também temos excelentes exemplos de cada formato varejista, mas ainda precisamos, através de um ambiente propício para inovação, buscar formas de melhorar o relacionamento com o cliente e aumentar os atuais níveis de produtividade.

As incertezas em meio às políticas econômicas a serem adotadas pelo próximo presidente podem prejudicar as expectativas do setor?
Como qualquer outro setor, o varejo também é altamente sensível e dependente do rumo da economia.