As armadilhas na rota do ajuste fiscal Reposições salariais reivindicadas por servidores podem custar quase R$ 200 bilhões aos cofres públicos nos próximos anos

Publicação: 17/11/2018 03:00

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, promete cortar custos e enxugar a máquina pública. Mas tem à sua espera uma desagradável surpresa em termos de gastos não previstos. Ele precisará encarar, por exemplo, ações judiciais, com mais de 25 anos, por equiparação salarial de servidores, consequência de revisão geral diferenciada de soldos de militares e remunerações de civis. O impacto no orçamento somente desse item era calculado em R$ 5,9 bilhões,  “mas o valor está extremamente defasado, e pode triplicar, ultrapassando os R$ 17 bilhões”, disse um especialista em contas públicas.

O problema será a falta de dinheiro para fazer frente à despesa, caso a União perca a ação bilionária. Em última instância, a saída seria aumento de impostos ou mais endividamento. O Anexo V do Orçamento de 2019, que trata de possíveis dívidas trabalhistas, reserva pouco menos de R$ 4 bilhões para diversas contingências, tais como “ações de litígios por reivindicação de atualização salarial ou recomposição de perdas decorrentes de índices utilizados por ocasião dos Planos Econômicos, como as ações de reposição dos 28,8%”, disse o técnico. A dívida com os funcionários, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2014, vem desde janeiro de 1993, quando a União deu aos oficiais generais reajuste salarial 28,86% superior ao dos servidores civis e demais militares.

A exclusividade para os graduados da caserna violou dispositivo constitucional. “O aumento separou civis de militares. Mas, à época, a determinação era de que a revisão geral da remuneração, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, teria de ser sempre na mesma data”, destacou Vladimir Nepomuceno, ex-coordenador da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento e consultor de entidades sindicais. O número de ações cobrando reajuste de 28,86% se espalhou pela administração federal. Uma delas, específica dos servidores do Banco Central (BC), seria julgada semana passada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não entrou na pauta. “Não tem volta. Se o Judiciário decidir, a União terá de pagar”, disse Nepomuceno.

Para o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, o deficit público, previsto em R$ 139 bilhões em 2019, vai dar um salto se isso acontecer. “É um absurdo que algo assim ocorra apenas porque o governo não prestou atenção à lei e permitiu aumento diferenciado. Isso, no fim das contas, será bancado por todos nós, contribuintes”, disse. A briga na Justiça também revela o que muitos servidores não querem admitir. “Declaram corrosão salarial pela inflação, mas essas correções, ao longo do tempo, se transformam em ganhos indiretos que oneram a folha de pagamento”, destacou Castello Branco.

Exemplos não faltam. Outras ações que reivindicam correção salarial — de 11,98%, 14,23%, 15,80%, e a incorporação de quintos — estão sendo analisadas pela Justiça. Se forem atendidas, elas podem custar, juntas, cerca de R$ 200 bilhões aos cofres públicos nos próximos anos. “Os pleitos são resultados de leis mal redigidas e decisões administrativas equivocadas. Elas abrem espaço para reivindicações que incham a folha de pagamento e arrombam as contas públicas”, disse um especialista que não quis se identificar. (Do Correio Braziliense)