Inovação & Negócios

Francisco Saboya
chicosaboya@gmail.com

Publicação: 03/11/2018 03:00

Porto Digital: 18 Anos e uma breve cronologia (Parte III - final)
 
O Porto Digital foi concebido com dois propósitos: criar um ambiente de desenvolvimento de software de classe mundial e contribuir para a requalificação do tecido urbano e do patrimônio histórico edificado do bairro do Recife Antigo. O primeiro refletia a crença no papel desempenhado pela indústria de software na configuração da economia do futuro. Além disso, considerava-se a necessidade de reaglutinação, no Recife e a partir do Porto Digital, das competências locais na área das TICs que haviam se dispersado em meio a um forte brain drain ocorrido no contexto da crise econômica dos anos 90, assunto já referido na coluna anterior. O segundo propósito ligava-se à compreensão, já naquele tempo, da importância das cidades, em especial de suas zonas históricas, na configuração de arranjos produtivos inovadores e empreendedores. Como a pré-história foi tema das duas colunas anteriores, fecharemos nossa cronologia descrevendo os momentos mais relevantes desde dezembro de 2000, data oficial de nascimento do Porto Digital.

Passados 18 anos desde o surgimento, o Porto Digital pode ser entendido como um cluster de inovação da economia do conhecimento. Os ciclos de vida desse tipo de arranjo produtivo possuem quatro estágios de maturidade – criação, crescimento, sustentação e declínio. Evitar esse quarto estágio e se posicionar permanentemente no segundo sempre foi o desafio maior da gestão do Porto Digital. Clusters bem-sucedidos são aqueles que, chegados à fase de sustentação, conseguem promover transformações de grande amplitude (e não apenas iniciativas de adaptação) e retomar uma trajetória de crescimento. É possível rebater essa dinâmica sobre a nossa realidade a partir da seguinte cronologia.

Etapa 1 – Criação (2001-2002) – Definidas as condições gerais de contexto, naquilo que chamamos na coluna anterior de Germinação do nosso ecossistema (90s), os dois primeiros anos desde a criação formal tiveram por foco essencialmente o assentamento das bases conceituais, físico-imobiliárias e estruturação da gestão do Porto Digital. As principais iniciativas desse período foram as restaurações de imóveis em ruína para abrigar a sede do Núcleo de Gestão, do CESAR – Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife e da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, âncoras do projeto, chegando-se ao fim do período com 26 empresas instaladas no Porto Digital.

Etapa 2 – Crescimento (2003-2010) – Este período foi caracterizado pela implantação de vários mecanismos de atração de empresas e promoção de negócios, suportados por consistente estratégia de marketing institucional e do território (the place matters). O triênio 2008-2010 merece um registro especial, pois aí se evidenciava que o Porto Digital fazia claramente uma transição da fase de crescimento para a de sustentação, saindo de 100 para 200 empresas, superando a quantidade de cinco mil empregados e aproximando-se de um faturamento de R$ 1 bilhão (efetivamente alcançado em 2012). As ações de maior relevância nesses oito anos foram, em 2006, a cessão pelo Governo do Estado do edifício Vasco Rodrigues (o antigo banco estadual Bandepe) e a Lei Municipal de Incentivos Fiscais, ambas voltadas para atração de empreendimentos de tecnologias de informação; em 2008, a elaboração de estratégia agressiva de captação de recursos de fontes externas ao estado, principalmente o governo federal (o que possibilitou a elaboração de cerca de R$ 300 milhões em convênios e contratos entre 2008 e os dias de hoje); em 2009, a criação da incubadora CAIS de empreendimentos de TICs (projeto concebido desde a fundação, mas somente efetivado neste ano); e, em 2010, a inauguração do empresarial ITBC, iniciativa do Softex arquitetada 12 anos antes e que logo se transformou em uma das principais âncoras do Porto Digital.

Etapa 3 – Sustentação (2011-2013) – A fase de sustentação é conceitualmente caracterizada pela manutenção de um número elevado de empresas e profissionais em um estado de equilíbrio, cujas flutuações ocorrem de modo mais cíclico do que estrutural. E foi isso que se observou neste triênio. A clara redução do ritmo de crescimento do Porto Digital frente ao período anterior se vê em números. Partindo de uma taxa média da ordem de 29% ao ano entre 2003-2010, o índice declina para cerca de 6% entre 2011-2013, chegando-se nesse último ano a 233 empreendimentos instalados. Era o sinal claro de que o modelo perdia vigor e que novas iniciativas de maior amplitude, inovações para dentro, deveriam ser concebidas.

A retomada de um novo ciclo de visibilidade e adição de valor para o crescimento do ecossistema se deu entre os anos 2013 e 2016, por meio de quatro movimentos de diversificação de competências complementares e de redefinição dos limites temáticos do Porto Digital. São eles: i. a ampliação do escopo, quando deixou de suportar apenas negócios baseados em tecnologias de informação e passou a contemplar o setor de economia criativa; neste caso, por meio da implementação de plataforma para criação, prototipação e finalização de produtos nas áreas de games e animação, audiovisual, música, fotografia e design (a estratégia Portomídia, 2013); ii. a estruturação de hub de suporte à criação e consolidação de startups, baseada em mecanismos como aceleradoras, incubadoras e espaços de coworking (a estratégia Jump Brasil, 2014); iii. a expansão dos próprios limites geográficos do cluster, a partir de um movimento de interiorização da atuação do Porto Digital em busca de novas conexões com outras cadeias produtivas do estado, iniciada em Caruaru com o polo de confecções e moda (a estratégia Armazéns da Criatividade, 2015); e iv. a configuração do Porto Digital como um Urban Living Lab (assunto já abordado em outra coluna), para fomentar uma nova área de especialização voltada para mobilidade e tecnologias urbanas estruturadas em internet das coisas e fabricação digital (a estratégia Porto Leve/L.o.u.C.o – Laboratório de Objetos Urbanos Conectados, 2016).

Como já foi registrado aqui, o Porto Digital chega em 2018 com 315 empreendimentos, cerca de 9000 empregos e faturamento da ordem de R$ 2 bilhões. Devido à capacidade empreendedora instalada e à reputação que alcançou, tem potencial de ir muito além. Explorar novos mercados através de programas de open innovation e outros serviços junto a cadeias produtivas globais, fomentar a inovação tecnológica em setores econômicos tradicionais em direção à indústria 4.0 e ampliar seu papel enquanto agente de transformação urbana no Recife e exemplo inspirador para outras cidades parecem ser novas fronteiras a serem trabalhadas. (Francisco Saboya é economista, professor da UPE e presidente do Porto Digital entre 2007 e 2018).