Sucesso fazendo o feijão com o arroz Rede Giraffas, do pernambucano Carlos Guerra, apostou na tradicional dobradinha dos lares brasileiros

Kauê Diniz e Rochelli Dantas
economia@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 25/05/2019 03:00

O feijão e o arroz fazem uma tabelinha perfeita na maioria dos pratos dos brasileiros. Um “simples” que geralmente agrada a todos e serviu de receita para alavancar o sucesso do Giraffas. O grupo começou com apenas uma unidade em Brasília, em 1981, em uma aposta, no mínimo arriscada, do pernambucano Carlos Guerra. Três décadas depois e 2,7 milhões de pratos servidos por mês, transformou-se na maior rede de refeições completas do mercado brasileiro, com faturamento anual de cerca de R$ 700 milhões, com mais de 400 unidades espalhadas em cerca de 130 cidades em 25 estados. Nessa conta, para 2019, somarão ao menos oito a mais no Nordeste, ponto estratégico do Giraffas, até pelas raízes do proprietário e CEO, totalizando um investimento neste ano de R$ 10 milhões dos R$ 70 milhões que serão investidos em todo o Brasil. Pernambuco conta com 11 lojas, em cinco municípios.

Esse era um cenário bem distante para Carlos, quando, ainda no início da década 1980, aos 19 anos, adquiriu o Giraffas, uma lanchonete à beira da falência em Brasília. Mas para entender o porquê dele apostar no negócio é necessário rebobinar ainda mais a fita dessa história e voltar ao Recife dos anos 1970. Naquela época, não se falava em McDonald’s - o primeiro chegou ao Rio, em 1979 -, Bob’s e Burger King, e o então adolescente frequentava a lanchonete FAN’s, na esquina da Rua da Saudade com a Avenida Conde da Boa Vista, que vendia hambúrguer, cachorro quente e batata frita. “Eu amava já os fast food, e a FAN’s era pernambucana e o sanduíche era muito bem feito. Toda vez que eu ia lá passava mal de tanto comer. Duvido, excetuando as grandes redes, que alguém hoje tivesse uma operação tão organizada como da FAN’s”, recorda-se o empresário.

Somou-se ao gosto pelo fast food a experiência que, anos mais tarde, Carlos teve nos Estados Unidos, ao fazer intercâmbio, e foi apresentado ao formato de franquias. “Tinha 15 anos e fui para uma cidade pequena, que não tinha esses conhecidos fast foods. Mas ficava louco para comer. Fiquei impressionado quando viagem e fiz a Rota 75, de Michigan à Flórida, e via como essas redes se multiplicavam através do sistema de franquia. Ali surgiu a ideia que futuramente veio a ser o Giraffas”, conta.

Carlos voltou com o projeto na cabeça, mas foi tocando a vida de estudante. Prestou vestibular para engenharia elétrica e foi aprovado na Universidade Federal de Pernambuco. A mãe, funcionária pública, porém, transferiu-se para Brasília, para trabalhar na Câmara Federal. Começava ali a fase candanga de Carlos. Pouco tempo depois, casou-se com Laissa Freire, filha do ex-senador e ministro pernambucano Marcos Freire. Com 19 anos e já um filho, viu a necessidade de trabalhar e, ao lado do amigo de faculdade e, posteriormente cunhado, Ivan Aragão, encarou a empreitada. Eram dois estudantes de engenharia, sonhando com o próprio negócio, quando viram na então lanchonete Giraffas - já tinha este nome antes e funcionava desde 1979 - a chance de tornar o desejo em realidade.

“A sociedade durou pouco, mas a amizade perdura. Os dois com filhos nascidos em 1980, com um mês de diferença. A gente era menino: eu com 19 anos e ele 20 anos. A Giraffas era de três playboys da cidade. Tinha bons produtos, a ideia era boa, mas absolutamente mal administrado. Em fevereiro de 1981, negociamos com os caras em 15 dias sem nenhum tostão. Pegamos empréstimo em banco em nome dos pais, até com amigo peguei também. Eles deviam a todo mundo em Brasília. No primeiro dia, o oficial de Justiça bateu na nossa porta para fazer cobrança de dívidas. A gente não entendia nada de negócio e estava lidando com advogado, fornecedor e contador. Até o padeiro ficou nosso sócio durante um tempo na negociação para pagar a dívida com ele”, conta o executivo, lembrando de histórias engraçadas da época.

“Para a gente, aquilo era nosso sustento. Teve dia, na correria, que nossas esposas iam para o caixa e balcão e o pai dele (Ivan), um tenente-coronel, estava fazendo suco. Apesar desse início com ambiente familiar, ali, no meu subconsciente, estava o sistema de franquias. Quando a gente entrou, já estava pensando na segunda unidade, até porque vendemos muito nos três primeiros meses. Mas não foi fácil. A década de 1980 foi uma maluquice econômica neste país. O Brasil é o único país onde você fica fazendo experiências dando errado e acha que um dia vai dar certo. As coisas só começaram a melhorar mesmo após o Plano Real”, diz.

Virada
Nessa época, o cardápio era de uma tradicional lanchonete: sanduíches, sucos e sorvetes. O feijão com arroz só começou a ser protagonista do cardápio do Giraffas em um projeto-pilito em 1996, a partir de uma experiência que tiveram com o formato Giraffas Grill, devido à necessidade de preencher uma lacuna de baixa demanda no almoço.  Em 2000, o processe foi concluído e aí foram surgindo definitivamente os “empratados”. Hoje o almoço responde por 60% do fluxo da rede. “Precisávamos de uma linha de pratos para o almoço, também para se adequar à demanda desse horário nos shoppings. Além disso, tínhamos que fugir da concorrência com as grandes redes de fast food. Só quem concorre com prato conosco são operações menores que a gente. Nos tornamos os vendedores de pratos populares (a partir, sobretudo, de 2014, mudou um pouco esse conceito devido à crise econômica). É melhor você liderar um setor do que ser o último de outro. Hoje, são seis mil toneladas de feijão e arroz por ano. Nenhum restaurante vende tanto desses produtos com a gente”, afirma Carlos, lembrando que o modelo de franquia saiu do papel com uma unidade em Sobradinho, no Distrito Federal, em 1992.

Saiba mais
  • 38 anos existe o Giraffas, sob administração de Carlos Guerra
  • 400 unidades existem atualmente
  • 130 cidades possuem uma Giraffas
  • 25 estados têm a presença da marca
  • 11 unidades situadas em Pernambuco - o estado com maior número na região -, distribuídas em sete municípios: Recife, Olinda, Jaboatão, Cabo, Petrolina, Camaragibe e Paulista
  • 78  é o número de lojas no Nordeste
  • 40 lojas, aproximadamente, serão inauguradas no país até o fim do ano
  • 8 estão programadas para o Nordeste
  • R$ 10 milhões é o investimento previsto para a região em 2019
Um giro pela marca

Na crise

A crise econômica do país abocanhou também o faturamento da rede, de forte inserção no público B e C, e encerrou as atividades nos EUA em 2017 - chegou a 11 unidades na Flórida. Fechou várias unidades no Brasil, mas reabriu outras, mantendo o número de 400. Segundo Carlos Guerra, desde 2013, não cresce dois dígitos. Mas o momento serviu para o Giraffas se reinventar, buscando a eficiência na gestão e soluções para atrair novos perfis de clientes, sem esquecer do antigos. Apostou em produtos mais qualificados, como a carne de gado angus, como também pratos para a família compartilhar. A linha mais cara saltou, do início da década para cá, de 5% a 10% de participação nas vendas para 25% hoje. Também passou a ocupar espaço em aeroportos e shoppings mais sofisticados. “Temos um dos melhores produtos no custo-benefício e estamos crescendo mais que o mercado. O segundo semestre de 2018 nos recuperou e o faturamento está crescendo a dois dígitos em 2019 - de janeiro a abril, 11.2%”, diz. A rede espera inaugurar 40 lojas até o fim deste ano e fechou 2018 com um faturamento de R$ 700 milhões, 8,2% a mais que o resultado de 2017.

Contêiner

O grupo começou a fazer a aposta em um novo modelo de loja de rua: os contêineres. Por enquanto, são duas unidades (em Cristalina e Posse, ambas em Goiás) e outras sete contratadas. Pela conta do negócio, Carlos acredita que é um formato que tem tudo para crescer pelos seguintes motivos: o aluguel é muito mais barato que um prédio tradicional, a montagem também e o ponto pode mudar caso o escolhido inicialmente não tenha sido o melhor.

Raízes

Na visita ao bairro do Recife Antigo, onde foi à redação do Diario para essa entrevista, Carlos, que vive em São Paulo, rememorou algumas imagens do passado. Tentou achar o prédio histórico do Banco do Comércio, já extinto, onde o pai trabalhou, e entrou no casarão na Rua do Bom Jesus que abriga a galeria de arte Ranulpho, de quem, no passado, adquiriu algumas obras de artistas locais. Aproveitou para uma rápida conversa com o marchand Carlos Ranulpho.

O preferido

O prato mais vendido, atualmente, é o Churrasquito. Pagando R$ 16,90, vem um bife de coxão mole, com linguiça, feijão, arroz, farofa e salada. Mas quem resiste ao tempo e permanece no cardápio desde o princípio, ainda na lanchonete, é o sanduíche Brutos.