Com Marcelo Loureiro

Miriam Leitão
miriamleitao@oglobo.com.br

Publicação: 26/06/2019 03:00

Os ministros já foram para a reunião de ontem na Segunda Turma do STF sabendo que tudo poderia acontecer, inclusive a discussão sobre a liberdade do ex-presidente Lula, apesar de o assunto ter saído de pauta. O tema voltou, pelo pedido do advogado, mas principalmente pela tentativa do ministro Gilmar Mendes de encontrar um caminho alternativo, o da liberdade provisória do ex-presidente Lula até que os ministros deliberem sobre um mérito espinhoso: a arguição de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

Foi Gilmar Mendes que pediu vistas do pedido de suspeição em dezembro, e de lá para cá redigiu as 40 páginas do voto. Nele, contudo, não estão ainda as considerações sobre o que vem sendo divulgado pelo site “The Intercept Brasil”. Na véspera, a ministra Cármen Lúcia disse a Gilmar Mendes que havia 12 itens antes do julgamento da arguição de suspeição do Moro. E era a última sessão da 2ª turma antes do recesso. Portanto, a pauta estava congestionada, o assunto era complexo e o voto era longo. A decisão foi adiar. Por outro lado, desde o dia 4 de junho a PGR já se manifestou a favor de que o ex-presidente Lula cumpra a pena em regime semiaberto. Motivos havia para tentar abrir a porta.

As comunicações entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, mostrando a excessiva proximidade entre julgador e acusador, não estavam em questão porque não haviam sido divulgadas quando foi apresentado o habeas corpus. Mas evidentemente elas reforçam o ponto da defesa. Na opinião de um dos ministros, o que se vê nos diálogos é um “contínuo de atos que levantam dúvidas sobre a parcialidade de Moro”. Esse ministro acha que as novas informações tornam toda essa questão ainda mais complexa, e que é preciso esperar os desdobramentos. O ideal, portanto, na opinião dele, era mesmo não debater ontem a suspeição do ex-juiz. O advogado Cristiano Zanin lembrou, contudo, que “o paciente cumpre pena, está preso há 444 dias”.

O ministro Gilmar Mendes tem já externado inúmeras críticas à operação Lava-Jato, e ao formato da força-tarefa que, na opinião dele, leva a uma relação próxima demais com o juiz. O ministro Ricardo Lewandowski tende a votar com a defesa. O ministro Celso de Mello, na maioria dos casos, apoiou as decisões do ministro Edson Fachin, mas é absolutamente contrário à prisão antes do término do julgamento na última instância. Por isso havia uma expectativa em torno do voto dele. Mas ele votou contra. O problema era a questão proposta: se Lula poderia esperar em liberdade até que eles decidam sobre a suspeição de Moro, quando condenou Lula.

O ex-presidente foi preso no dia 7 de abril do ano passado, depois de ter sua condenação confirmada pelo TRF-4, que ampliou a pena dada por Moro. Depois, a condenação foi confirmada pelo STJ, mas com redução de pena. E pela progressão da pena, na dosimetria do STJ, ele já poderia estar em semiaberto. Este é apenas um dos vários processos a que Lula responde, o caso do tríplex que nunca ocupou, mas que ele e seus familiares visitaram mais de uma vez e no qual foram feitas reformas para adaptar o imóvel a ele. A defesa sempre disse que o apartamento nunca pertenceu a Lula, a acusação sempre argumentou que corrupção é também “aceitar promessa de vantagens”, como diz o artigo 317 do Código Penal.

A Lava-Jato tem um enorme volume de serviços prestados ao país, prendeu e condenou centenas de corruptos, ouviu inúmeras confissões de crime, e devolveu aos cofres públicos bilhões de reais. Nenhuma outra investigação mostrou de forma tão clara a relação promíscua entre empresas, políticos, governo.

O que passou a ser discutido, após a divulgação dos diálogos entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol, foi a maneira como as instituições têm que funcionar. Outras operações de combate à corrupção fracassaram porque os advogados descobriam erros processuais pequenos e fizeram deles o caminho para a anulação de todo o processo, mesmo diante dos fortes indícios de crime. A Lava-Jato se fortaleceu porque aprendeu com as falhas das anteriores. O problema é que agora não se pode chamar de pequeno erro o que está sendo revelado. E mesmo que adiem, os ministros do Supremo terão que dizer se isso é normal, procedimental, ou se houve por parte de Moro o avanço da fronteira que julgadores têm que guardar das duas partes.