REINVENçõES SUSTENTáVEIS » BioEconomia Circular

por Sérgio Xavier // sergio@xavier.inf.br
diariodepernambuco.com.br

Publicação: 14/09/2019 03:00

A economia é totalmente dependente de recursos naturais. Energia, água, matérias-primas, terras, clima favorável... tudo vem da natureza. Portanto, todos os processos econômicos deveriam se integrar plenamente com os ambientes naturais e respeitar seus ciclos, equilíbrios, limites e resiliências.

Entretanto, na maioria dos casos, ocorre exatamente o inverso. Os processos de produção, consumo e descarte de resíduos destroem os ecossistemas. A economia tradicional, nada tem de “eco”. A lógica que prevalece é a do lucro para poucos e o custo ambiental para todos - de hoje e do futuro.

Esse modelo não se sustenta e já está à beira do colapso. Por isso, é preciso superar urgentemente o analfabetismo ambiental e enxergar as imensas oportunidades dos processos econômicos integrados harmonicamente com os princípios da ecologia.

Fazer acontecer uma economia que imite a natureza não é tão complexo como parece. Complicado é ignorar a realidade e caminhar contra o planeta Terra.

A gestão da sustentabilidade pode ser estruturada a partir de 4 pilares fundamentais: (1) Energia (uso de fontes renováveis), (2) Água (proteção, uso e reuso ecoeficiente), (3) Resíduos (processos circulares, transformando lixo em matéria-prima continuamente) e (4) Capacitação (conhecimentos e visão sistêmica para trabalhadores, empreendedores e consumidores). Cuidando desse quarteto é possível avançar no rumo do desenvolvimento sustentável, tornando os resultados econômicos mais inclusivos, consistentes e perenes (como aprofundei na Coluna “Lucro Sustentável” 11Jun19).

Nessa trilha, começamos a implantar em Macapá (AP) o CircuLAB – Laboratório de Economia Circular e a Plataforma Circularis – Rede de Reciclagem de múltiplos materiais,  com iniciativas práticas, como a produção de BioCombustíveis, aproveitando resíduos orgânicos, óleos de frituras e restos de açaí.

Essa inovação interliga todos os pilares descritos acima: gera energia renovável, reaproveita resíduos (evitando que poluam as águas) e agrega capacitação, na implantação de uma nova BioIndústria Circular. Além disso, reduz impactos ambientais, gera empregos e economiza dinheiro público, podendo usar os biocombustíveis produzidos localmente na frota de barcos e veículos da prefeitura.

Para criar um novo modelo de desenvolvimento é fundamental unir forças políticas, conhecimentos, ideias, recursos e, sobretudo, garantir um clima de união visando propósitos coletivos. É o que está fazendo o inovador prefeito de Macapá, Clécio Luis, criando uma base propulsora da economia sustentável na cidade, unindo SENAI (Capacitação profissional), SEBRAE (orientação para os pequenos negócios dessa nova cadeia produtiva), Universidade Federal do Amapá (interligação de conhecimentos de ponta) e Governo do Estado do Amapá (que poderá replicar as experiências para outros municípios). Com essa sinergia, os resultados serão rápidos e consistentes.

Com diversos parceiros, estamos articulando uma rede de cidades amazônicas interessadas em implantar soluções similares em diversas áreas. Uma dessas cidades é a incrível ilha de Afuá – município “aquático” - autointitulado “Veneza Marajoara”, localizado no arquipélago do Marajó, na fronteira do Amapá com o Pará, no gigantesco e distante delta do Rio Amazonas.

Afuá (PA) é hidrocicloviária. Não tem carros, nem motos. Barcos e bicicletas são os meios de transporte para os cerca de 38 mil habitantes e as ciclovias são palafitas.

Ciceroneados pelo ecoaventureiro prefeito Clécio, juntamente com Alfredo Sirkis (que construiu centenas de quilômetros de ciclovias no Rio de Janeiro, quando foi secretário de Meio Ambiente e Urbanismo) percorremos de barco as sinuosas vias hídricas e, dirigindo BiciTáxis, conhecemos pessoalmente a vida original de Afuá. Com grande dependência do poluente e caro óleo diesel, Afuá será uma das cidades a ter projetos do Circularis. Poderá ser um turístico pólo demonstrativo de soluções simples e tecnologias sustentáveis.

Em breve, detalharemos aqui essas iniciativas, que servirão de referência para outras cidades, de qualquer região. Essa é a ideia: criar modelos objetivos para implantar rapidamente em pequenas e grandes cidades. Por isso, a importância estratégica e idealista da interação Macapá – Afuá. Por isso, buscar também a parceria com o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, que tem o prefeito do Recife, Geraldo Júlio, presidente para a América do Sul e o também brasileiro Rodrigo Perpétuo secretário-executivo desta rede global, que integra mais de 1.700 governos subnacionais em cerca de 100 países. Nessa teia de cidades inovadoras, Recife terá papel relevante. Foi aqui, no ambiente inventivo do Porto Digital, que criamos o CircuLAB e o Circularis.

E por falar em soluções digitais, diante do trágico vazamento de piche ocorrido nas praias de Pernambuco e de outros estados do Nordeste nos últimos dias, os órgãos responsáveis pela fiscalização deveriam avaliar a criação de um sistema de prevenção simples, disponibilizando lista pública, online, de datas e percursos das embarcações com cargas poluentes, que passam pela nossa costa. Geraria mais responsabilidade para os comandantes, pois saberiam que podem ser monitorados por toda a população e, em caso de acidentes ou crimes ambientais, possibilitaria saber com maior rapidez as possíveis fontes poluidoras.

A construção de uma sociedade sustentável exige inventar novas soluções, mas, simultaneamente, também requer fiscalização inteligente e rigorosa para desencorajar atitudes irresponsáveis e antiecológicas.

Que o Brasil se ordene nessa direção, por um progresso efetivamente verde.   Desordem ambiental não é progresso.