"Quem assumir o governo, em 2023, terá a capacidade imensa de pegar empréstimos e alavancar a economia"

Danielle Santana e Paula Losada
economia@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/01/2022 03:00

No comando da Secretaria da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha encerrou o ano de 2021 colhendo os frutos do ajuste fiscal realizado pelo estado nos últimos anos. O equilíbrio obtido entre receitas e despesas levou o estado ao menor endividamento dos últimos 30 anos, o que auxiliou no enfrentamento da pandemia da Covid-19. “Criamos condições de ajustar a despesa e subir a receita, reduzindo benefícios fiscais e melhorando a forma de fiscalizar. Também fizemos programas para quem queria regularizar a situação fiscal e combatemos a sonegação”, pontuou em entrevista ao Diario. No entanto, a crise sanitária ainda afetou duramente as contas de Pernambuco, que perdeu quase R$ 2 bilhões em receita. As perdas estouraram porque, segundo o secretário, ninguém consumia no auge das medidas de restrição para o controle do novo coronavírus, com estabelecimentos de serviços, comerciais e escolares, por exemplo, fechados ou parcialmente em funcionamento. Apesar do impacto causado pela pandemia nas finanças estaduais, Décio afirma que o ajuste nas contas vai permitir reajustar o salário dos servidores em 2022, após três anos sem aumentos. Além disso, acrescentou, o governo Paulo Câmara (PSB) vai entregar um estado com equilíbrio fiscal para o próximo governante, em 2023.

Entrevista - Décio Padilha // secretário da Fazenda de Pernambuco

CONJUNTURA

Existe um tripé econômico: a meta da inflação, câmbio flutuante e âncora fiscal. O Produto Interno Bruto (PIB) é o resultado disso tudo. A inflação alta ajuda a crescer em um curto prazo. Mas, acima de 12 meses, ela prejudica porque causa retração de consumo. Isso destrói a economia. Em 2019 a meta da inflação foi estourada, em 2020 também. No último ano, a meta era de 3,75% e a inflação foi de 10,06%. Essa conjuntura traz uma sinalização muito ruim para toda a economia brasileira, o que deixa o ambiente mais hostil e complicado para os estados. Para 2022, a meta é 3,5% e a previsão do mercado é 5,5%, isso é uma aposta que a Selic vai debelar pela metade o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mas a Ômicron pode afetar.

Quando você vem para a questão cambial, o primeiro problema é o dólar afetando a inflação, mas o segundo é que ele também afeta a importação. Outra questão é o endividamento dos estados e a maioria do Nordeste pega dinheiro para infraestrutura, através de empréstimo com os bancos de fomento internacional em que os juros são praticamente negativos, mas ninguém esperava que ia acontecer isso com o dólar no país. Isso afeta o PIB para 2022 porque devemos ter uma variação neutra e é um problema sair de uma crise dessa sem aquecimento.

ESTAGFLAÇÃO
Estamos com uma inflação quente e crescimento pequeno, é o que chamamos de estagflação. É como ter uma febre alta, que é controlada pela Selic, mas o paciente não come nada, não tem demanda. É o pior cenário econômico que existe e é raro, principalmente em países emergentes. O PIB reage muito mal e temos uma projeção muito fraca para sair da crise. O Brasil não saiu nada bem na pandemia, tanto países ricos quanto países pobres tiveram a variação de PIB melhor que a nossa.

ARRECADAÇÃO
O ICMS representa, em média, 70% do total de receita que um estado tem. É um tributo sobre o consumo. Ele está em tudo no consumo. É o tributo mais importante. A pandemia dialoga em derrubar o ICMS e aumentar os gastos de saúde. O que existe é um debate político que é ruim para o Brasil. É uma crueldade dizer que os estados se equilibraram porque receberam dinheiro para a pandemia. Em Pernambuco, o gasto foi de R$ 1,6 bilhão de recursos extra orçamentários porque ninguém imaginava que, em 2021, ela viria na mesma força ou maior do que em 2020. E quando a gente fez esse gasto, a performance do ICMS de 2021 foi o que salvou. Em 2020, ele embicou porque fechou tudo. Naquele ano, nós gastamos R$ 1,1 bilhão. Algumas coisas de 2020 nós pagamos em 2021, por isso foi maior. Quando a gente fala da pandemia, as performances de 2020 e 2021 foram diferentes porque em 2020 as coisas foram fechadas. Se o governo federal não manda dinheiro seria um colapso financeiro no país. Jamais, por mais que a União tente, ela não tem como mandar uma ajuda financeira. Hoje, os estados juntos têm mais despesas e mais recursos que a União. Ela não tem como repor o ICMS dos estados porque não tem arrecadação que cubra a receita. A União ajudou, mas a demanda é maior. Vários estados, como Pernambuco, gastaram na casa de bilhão, o que não tinham. A ajuda foi importante porque senão não se pagava folha, não se pagava hospital. Em 2020, o governo federal mandou em torno de R$ 1,6 bilhão para Pernambuco, mas em 2021 foi diferente, não teve dinheiro da União porque ela não tinha mais como mandar por causa de sua situação fiscal. É importante entender isso porque são cenários econômicos diferentes.

AJUSTE FISCAL
A despesa de pessoal é o item mais importante, são R$ 15 bilhões por ano. A lei de responsabilidade fiscal determina alguns limites. Ela diz que o prudencial é que se gaste até 46,5% da receita corrente líquida. De 2017 até 2019 estávamos numa situação ruim, acima do limite prudencial. Com isso, não poderíamos dar ajuste para o servidor ou fazer concurso. Se chega em 49%, o que chegamos bem perto, já se começa a ter punições de ficar sem receber transferência voluntária de recursos sem ônus da União. Em Pernambuco, controlamos essa despesa e atingimos o melhor nível dos últimos 15 anos. Criamos condições de ajustar a despesa e subir a receita, reduzindo benefícios fiscais e melhorando a forma de fiscalizar. Também fizemos programas para quem queria regularizar a situação fiscal e combatemos a sonegação. Em 2019, não demos aumento para o pessoal. Em 2020, já existia a lei que proibia por causa da pandemia e que encerra agora essa proibição. Então, neste ano, nós vamos dar porque o estado se ajustou e o servidor tem que ter sua perda reduzida. Estamos estudando o patamar para não desajustar o estado, mas devemos dar no final de abril.

EMPRÉSTIMO
A dívida pública é outro item importante. A Lei da Responsabilidade Fiscal diz que não se pode ter endividamento de mais de 200% da receita corrente líquida e agora temos o menor endividamento dos últimos 30 anos. Quem for sentar na cadeira do governador em 2023 terá a capacidade imensa de pegar empréstimos e alavancar a economia, o que não pudemos nos últimos sete anos. Este ano, o governador Paulo Câmara tem uma capacidade de pegar até R$ 2,4 bilhão pelo Tesouro Nacional para fazer operação, mas vamos pegar apenas R$ 1,4 bilhão porque já temos R$ 3,6 bilhões de recursos próprios para o nosso Plano de Retomada, que estamos executando de junho do ano passado até o final deste ano. Nosso endividamento agora é de 38,59% da receita corrente líquida, estamos dando de mão beijada para quem sentar em 2023. No estado, 50% da dívida é em dólar porque se pegava muito empréstimo até 2015, mas depois ficamos, de 2016 até agora, sem poder fazer operação de crédito. Mas, mesmo o dólar variando mais de 40% nesse período, estamos reduzindo em valor nominal a dívida. Agora, estamos em Capag (Capacidade de Pagamento) B, mas minha meta é encerrar o ano com Capag A. Quero ser A. Não para pegar mais operações porque não preciso, já que estamos investindo com recursos próprios, mas sim para mostrar que o estado está entre os três melhores do Brasil. A diferença entre eles é que o B pode pegar até 8% da receita corrente líquida em operações de crédito, já o A pega 12%.

RESULTADO CONTÁBIL

Existem dois tipos de resultado: o orçamentário e o primário. O orçamentário é o mais importante porque tem toda receita e toda despesa que foi liquidada. Pernambuco fechou 2019 com R$ 349 milhões de superávit, o que é muito pouco. Já em 2020, foi R bilhão e, em 2021, R$ 2 bilhões. Para 2023 a projeção é que isso melhore em 30%, em torno de R$ 2,6 bilhões. O ICMS teve uma performance extraordinária em 2021, com um crescimento acumulado de 22,24% em relação a 2019. A média de dezembro de 2021 foi 19,17% a mais do que a de dezembro de 2020. Raras vezes chegamos a R$ 2 bilhões. É um resultado histórico de arrecadação porque houve um grande consumo de outubro até dezembro do ano passado por conta da demanda reprimida. Ainda assim, tivemos algumas quedas durante o ano. O normal é um crescimento de 10% de um ano para o outro, mas a pandemia deu um prejuízo de quase R$ 2 bilhões para o estado em receita. Pipocou em 2021 porque em 2020 ninguém consumia. Para 2022, a expectativa é um crescimento de 9% a depender da Ômicron. Já para o resultado total, a expectativa é de 30% porque vamos segurar muitas despesas desnecessárias como com custeio.

GASTOS
Agora, nosso maior gasto é com saúde e educação. Em 2021, o gasto com a educação foi menor porque as escolas ficaram fechadas, já com a saúde vem crescendo desde o ano passado. Tive que cortar dos outros para poder ter dinheiro para a saúde. Em investimentos próprios, fomos para R$ 1,4 bilhão, bem mais do que 2020, quando foram R$ 983 milhões. Fizemos grandes investimentos em estradas e educação. Quando começamos o mandato, tínhamos R$ 1,6 bilhão de restos a pagar, mas agora só temos R$ 601 milhões.

COMBUSTÍVEL
Tiveram 90 dias de congelamento da pesquisa feita pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que é federal e autônoma. Ela pega o preço que é praticado na bomba na Região Metropolitana do Recife e no interior para ponderar. São preços reais. Avisamos que não ia adiantar porque a causa do aumento são duas, a cotação do barril/dólar e o brent. Tudo isso por conta da política de paridade de importação da Petrobras, que foi implementada em 2018 e ensejou a greve dos caminhoneiros e a queda de dois presidentes da estatal. Ela não funciona por conta da desvalorização da moeda brasileira. A nova política foi criada atrelando 100% da produção ao dólar, mas a Petrobras só importa 40% e produz 60% em real. Ela está ganhando dinheiro com isso e a população sangrando. O problema é que o brent também sobe. Ele aumentou em média 60% no ano de 2021. Com isso, você traz um carregamento muito grande para os preços finais, com 46% de aumento da gasolina e 47% do diesel em 2021. Em 2018, a gente baixou a alíquota do diesel de 18% para 16%, é a menor do Nordeste. Mas tudo isso não resolve nada porque o que aumenta é a cotação do dólar e do barril internacional, que estão subindo por outros motivos.

FUNDO
Fizemos um gesto (os estados congelaram o ICMS do combustível por 90 dias, de novembro de 2021 a janeiro de 2022) para mostrar ao Brasil que estávamos dispostos a sentar e conversar com a Petrobras e que esse período era tempo suficiente para se criar uma solução. Mas a Petrobras não sentou. Ela sangra o país para dar lucro. Com 45% dos acionistas estrangeiros, essa empresa serve de que ao Brasil? Ela tem que ter um propósito por ser estatal, sem visar apenas lucro. Não sou a favor da privatização, mas sou da concorrência. Tem que ser de uma forma que as empresas internacionais tenham estímulo para concorrer e não para se associar a ela. A solução é a criação de um fundo de equalização de preços que amortece a necessidade que a Petrobras tem, de 15 em 15 dias, de compensar a volatilidade do câmbio. Para segurar a volatilidade, teria o fundo de equalização, praticado em sete países e alimentado de três em três meses. Quando tem essa necessidade de aumento, você saca esse fundo e, no lugar da empresa aumentar 8%, ela aumenta 1% ou 2%, não há intervenção no preço e ela continua tendo lucro. Tem várias formas de fazer. Ele pode se operacionalizar através de royalties de petróleo, que é o direito que a União tem de explorar ao longo do ano. Pode ser através de dividendos, porque, como a Petrobras é uma empresa com capital aberto, ela paga dividendos para União e para os acionistas de três em três meses. Pode-se pegar um pedaço e colocar nesse fundo.