Senado discute exploração de plasma Componente do sangue humano é insumo valioso para a indústria farmacêutica. Debate aborda inclusão da iniciativa privada no negócio

Alice Maciel e Ed Wanderley
Especial para o Diario

Publicação: 04/12/2023 03:00

O projeto que prevê mudanças na Constituição para permitir que a iniciativa privada explore o plasma humano – um componente do sangue usado para produzir medicamentos voltados para o tratamento de doenças imunológicas – começou a tramitar no Senado um ano após um estudo realizado por empresas estrangeiras ter identificado que o plasma do povo brasileiro pode gerar mais lucro para a indústria farmacêutica, por ter durabilidade e rendimento maior do que o da Europa.

Se a Proposta de Emenda à Constituição nº10/2022, apelidada de PEC do Plasma, virar lei, um grupo seleto de grandes players com tecnologia para fracionar o plasma no mundo estaria pronto para faturar. Entre eles, apenas uma brasileira, a Blau Farmacêutica.

Na outra ponta, em contato direto com a população, estão os bancos de sangue privados, interessados em vender o plasma excedente das doações. Esse material, hoje, por lei, deveria ser repassado para a estatal Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia), única autorizada a processá-lo. No entanto, a empresa informou que apenas um banco privado atende à legislação.

Essa realidade foi confirmada pelo presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS), Paulo Tadeu de Almeida, que informou ainda que essa matéria-prima está indo parar em aterros sanitários. A articulação parece ter funcionado. O parecer da relatora, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) permite que a parte do sangue não usada em transfusões seja explorada. O texto ainda abre brecha para a coleta de sangue remunerada, o que o presidente da ABBS diz ser contra e admite conversar com senadores para ajudar na proposta.

A PEC do Plasma começou a tramitar em abril de 2022 e visa mudar as regras do mercado de hemoderivados, em especial a imunoglobulina. Extraída em poucos gramas a cada doação, a substância concentra anticorpos e é matéria-prima de um dos remédios mais cobiçados atualmente pela indústria farmacêutica, recomendado para tratar diversas doenças que vão de problemas de coagulação a câncer à Aids. Atualmente, apenas seis empresas privadas, além da estatal Hemobrás, possuem registro na Anvisa para produzir e comercializar imunoglobulina humana (igg 5g), de acordo com o órgão: a espanhola Grifols, a italiana Kedrion, a alemã Biotest, a suíça Octapharma, a francesa LFB - Hemoderivados e Biotecnologia e a Blau Farmacêutica, brasileira. A gigante nacional, aliás, adquiriu recentemente participação de uma fábrica, a Prothya, de processamento de plasma nos Países Baixos, e quatro bancos de sangue nos EUA.

Um dos textos propostos pela relatora Daniella Ribeiro beneficiaria diretamente a Blau. Ele determinava que a comercialização do plasma pela iniciativa privada deveria ser feita exclusivamente “por empresa brasileira de capital nacional”, ponto também defendido pela ABBS. Por falta de acordo entre os pares e pressão dos  contrários, o texto foi alterado. A senadora não respondeu à reportagem.

A Blau informou desconhecer o texto da relatora e disse não ter tratado do assunto com senadores. Também acrescentou que não tem planos “nem interesse em comercializar, no Brasil, seus hemoderivados fabricados na Prothya”, com a justificativa de que o negócio não vale a pena no país. (Agência Pública)