Doutora honoris causa, sem perder a ternura jamais Mirian de Sá Pereira recebe hoje título concedido pela Unicap, onde trabalha há quase 50 anos

Luce Pereira
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Publicação: 23/02/2018 03:00

Famílias impactadas com a decisão delas de cursar uma carreira, até então, eminentemente masculina, não as fizeram retroceder. Aliás, nada. As primeiras mulheres a concluir o curso no Brasil saíram da Faculdade de Direito do Recife e entraram para a História. Maria Coelho da Silva Sobrinha, Maria Fragoso e Delmira Secundina da Costa, em 1888, e Maria Augusta C. Meira Vasconcelos, em 1889. Esta última, a primeira a atuar no Tribunal do Júri, em São Paulo, de tão capaz viria a ganhar como prêmio, em 1902, uma viagem à Europa. Sem dúvida nenhuma, a esta estirpe de pioneiras pertence Mirian de Sá Pereira Maia, que caminha para meio século respondendo pelos rumos do curso na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Nesta sexta-feira, recebe da instituição o título de doutora honoris causa, o que para colegas professores, juristas e ex-alunos não chega a ser nenhuma surpresa – a intensidade e o tamanho da dedicação dentro e fora da sala de aula não deixam.

Quem a conhece de perto, testemunhando a briga diária pela excelência do curso, diz que não se trata apenas de uma professora, mas de uma educadora. Daquelas capazes de tirar do próprio bolso o dinheiro que ajudaria alguns alunos a pagar a mensalidade devida à instituição. Fundadora do Núcleo de Pesquisa Jurídica, em 1992 – iniciativa fundamental para a universidade receber do MEC sinal verde para a criação do mestrado na área - chegou à Comissão de Ensino Jurídico da OAB em 2001 e daí até 2010 respondeu pela Ouvidoria Comunitária da Unicap. Muitos dos ex-alunos, hoje transformados em colegas reconhecidos pelas brilhantes atuações, estavam no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, ano passado, para vê-la receber a Medalha do Mérito Frei Caneca, categoria ouro. Os novos juntaram-se a expoentes do mundo jurídico para aplaudi-la de pé, na cerimônia.

Mas os aplausos não se devem apenas aos desafios vencidos na carreira, que teve como grande incentivador o próprio marido, também professor da universidade, Virgílio Augusto de Sá Pereira. Correndo ao lado das batalhas profissionais, as demandas familiares. Para a filha, a jornalista e advogada Cecília de Sá Pereira, que foi aluna dos dois, a mãe, no entanto, sempre “tirava de letra” com seu jeito dócil e sensível. Os dois adjetivos parecem não caber na figura firme e determinada da professora e ícone da área jurídica da universidade, mas são corroborados por todos que trabalham ou já trabalharam com ela. Em casa, a timidez e a roupa sempre séria saem de cena dando lugar a brincadeiras e contação de histórias para os dois netos. No fim das contas, a pessoa que não abre mão da simplicidade e do humanismo pode ser vista em qualquer situação. “Ela é assim mesmo, seja onde for se mantém tranquila, receptiva, está sempre disposta a ajudar”, diz a filha, opinião partilhada pelo colega de turma e depois docente da Unicap, Sílvio Neves Baptista. “Não conheço defeito em Mirian, ela é muito capaz e de uma simplicidade surpreendente”, declarou em entrevista.

É provável que venha da experiência de ser filha mais velha de uma família de onze irmãos a empatia com as necessidades de quem passa a conviver com ela. Mas a resposta não tem mesmo importância diante da conduta. Vale o exemplo de que, embora raras, há mulheres que labutam incansavelmente em profissões desafiadoras, mas “sem perder a ternura jamais”. Mirian de Sá Pereira faz parte desse restrito e elogiável círculo.