Para o poeta, bastam a motivação e o domínio da técnica

Sylvia de Azevedo Beltrão
Pós-graduanda em Língua Portuguesa e Literatura
beltrao_sylvia@hotmail.com

Publicação: 20/03/2015 03:00

Lembro como hoje da aula mais debatida que tive em Teoria da Literatura I (2011): “Inspiração X Domínio da Técnica”. O professor Admmauro Gommes  defendia com muita seriedade que inspiração não existe e que os poetas fazem o bom uso do domínio da técnica (aliada à motivação) para compor seus versos.. Era inconcebível para mim que um poeta fosse capaz de escrever um verso sequer sem ter a inspiração como parceira. Porém, quem procura acha. Iniciei a busca. Eu comecei a observar Admmauro enquanto ministrava suas aulas. Uma coisa é ter um professor de literatura, outra coisa gritantemente diferente é ter um professor de literatura que é poeta. Algo muito comum nas aulas dele são os poemas que ele cria ali, na hora, no calor da situação. Ele anda pela sala calmamente e a cada passo dado, um verso surge...

Comecei a analisar: “Isso não pode ser inspiração. Não é possível que ele esteja inspirado em todas as aulas. Todo professor sabe que existem dias que não há ‘inspiração’ nem para dar uma aula, quanto mais criar poemas e mais poemas durante elas”. Foi quando eu comecei a enxergar a técnica com outros olhos. Quando ele rimava com facilidade, ele estava utilizando esse recurso. Como garante uma das regras da educação física: “A excelência quem faz é a prática”, ou seja, a técnica utilizada em tantos anos de parceria fez com que ele alcançasse a excelência nessa arte.

O tempo passou e me provou que a técnica faz-se presente na criação de um poema quando eu resolvi escrevê-los. Vital Corrêa de Araújo entra nessa outra fase, quando me falou: “Gosto de escrever quando estou com raiva. O ID fala mais alto!”. Será que raiva e inspiração andam juntas? Raiva com técnica eu sei que andam porque Vital é um exemplo disso. Resolvi experimentar essa dica vitalina. Num dia bastante cruel, comecei a escrever. Dessa “raiva técnica” saiu um dos meus poemas favoritos. Naquele momento, tudo o que não havia em mim era inspiração, mas uma motivação provocada por Vital (e pela raiva!). Foi somente colocar a técnica para funcionar.

Recentemente tive outra prova. Ela veio com um desafio admmauriano: “Escrever um poema tendo como ‘inspiração’ uma margarina”. Há essa possibilidade de alguém sentir-se inspirado por um pote de margarina?. Eu fiz o poema Mulher Margarina sem sentir essa inspiração. Tive a motivação do desafio proposto pelo meu professor e utilizei a técnica para vencê-lo. Durante essa criação, eu estava com uma caixa de margarina ao meu lado e olhando com frequência a sua composição para encaixá-la nos versos. Depois misturei algumas qualidades femininas para que a “confusão” se fizesse presente na cabeça do leitor com as minhas metáforas.

Fiz isso no poema inteiro e mais uma vez testifico que a inspiração não estava comigo enquanto eu escrevia sobre uma margarina. Por todas essas razões, afirmo que a motivação, a técnica e o poeta compõem a tríade de um poema.