O Imperador e seus sorvetes

Ricardo Japiassu
Professor e jornalista
japiassu.ricardo@gmail.com

Publicação: 15/10/2015 03:00

Encobre, a história oficial, que o Imperador Dom Pedro II era habitué dos sabores dos sorvetes, em momentos de galaterie, na centenária Confeitaria Cavé, no coração do Rio de Janeiro. Instruiu-me o monge beneditino, Dom José Antero, que o primeiro pecado capital a tomar uma alma é o da gula. Melhor, no entanto, é não resistir aos momentos de glamour na sorveteria Santo Doce, parodiando o bairro dos Aflitos onde está situada em meio a um jardim de jasmineiros, aflição pura por não realizar esta delícia de tentação. Com tal trupe, estou comemorando os 15 anos de realeza – que rima com beleza – em meio a cadeirinhas azuis e amarelas, saboreando mais de 60 sabores, como dizem os franceses: perfumes, que variam das cerejas amarenas e blubery europeias, às mangabas tropicais, obedecendo à tradicional arte italiana de fabricá-los.

Além da festa de aniversário deste santo pecado de glutão, faço meus os festejos neste dia em que a Nação comemorou o Dia Nacional do Sorvete – 23 de setembro. Afeito aos doces – há quem diga tratar-se de carência afetiva – delicio o prato da casa, a tapioca ensopada com sorvete de coco e uma bola bem recheada de sorvete à escolha. A iguaria leva o nome desta microempresa familiar. A mesma prova, por sua vez, que os micronegócios podem dar certo e se firmarem, ainda que seja em tempos de crise. Outra delícia é a sorverosca: Vodca batida com sorvetes. Diga-se de passagem, os cajás, o limão ou mesmo a laranja cravo. De minha parte, não perco tempo, aproveito os chocolates: Floresta negra com pedaços e cereja, chocolate na sua variação belga, o meio amargo, com lasquinhas de chocolate. Depois, uma xicrinha de café forte.

Tanta fartura, para o Dia Nacional do Sorvete, implementaram-se duas novidades – já por este sorveteiro deliciadas – o bolo de banana com uma potente bola de sorvete, indico o cocada; ou o bolinho de bacia, também com sorvete, que pode ser o de coco. Os frutos nas cores rósea, vermelha ou lilás constituem refinamento ao paladar. Entre outros, o morango temperado com a própria fruta ou a cereja com pedacinhos do fruto. Comenta sempre a minha amiga Flávia Melo, responsável pelo desenvolvimento da microempresa: “Suas taças com o nosso produto enchem os olhos”. Não faço por rogar. Tanto assim que os gelados não compõem parte do meu estado de sempre dieta. Um ambiente para conversa doce, amena. O prazer de viver aqui faz seu nicho. À aragem da tarde, um bate papo com os amigos, o crepúsculo e as iguarias. Uma delícia de viver.

Negócio de Imperador. Dom Pedro II bem que estava certo. Adolescente, estive na Cavé, tomei sorvetes, um guaraná caçula, ou a antiga Antarctica, em companhia da prima Maria Cristina Japiassu. Degustei os ratões de chocolate, estes bem tintos ou muito alvinhos, na cor do açúcar. Comprei os tradicionais panetones de Reis, talvez para assegurar minha ausência à tradicional festa dos Magos na pequena Pedra, onde nasci. Faço este artigo, portanto, lembrando tempos antigos e novos, feliz por estar vivendo em paz. Tomar sorvete é sempre muito bom, mas não sei se sou um Imperador. Talvez de muitos amigos, como me autografou o pesquisador João Bernardo, colega dos bancos de literatura na Universidade de São Paulo, no livro Memórias Imaginárias do Último Imperador do Brasil, do francês Jean Soublin: “Imperador de muitos amigos”.