Direito e literatura: imagens do feminino

Jayme Benvenuto/Nuno Kembali
Professor adjunto na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em cooperação técnica na Universidade Federal de Pernambuco

Publicação: 11/07/2018 03:00

O livro de Andrea Campos Direito e Literatura: Imagens do feminino, deu-me a vontade de permanecer a ele agarrado, por isso o li devagar, para que a leitura pudesse permanecer comigo o máximo tempo possível.

Neste livro, Andrea demonstra elegantemente como o direito está inserido na literatura. Como parte da vida humana, o direito aparece em sua obra em sua capacidade extensiva - o direito e o avesso, os direitos e seus avessos que em muitos casos ousaram e ousam se transformar em direito. A literatura fala das coisas da vida com as forças da vida, por isso nela cabem as traições, os medos, os desejos, a violência, o direito e o avesso, o direito tornado avesso, o avesso tornado direito, o que não é nem uma coisa nem outra, mas tolerado.

É assim que cito as belas palavras de Andrea:

“Em Grande Sertão: Veredas, Riobaldo cria na justeza do que fora convencionado com Diadorim. Apesar de ser um sonho seu de que um dia não se precisasse mais matar gente, era preciso eliminar os dois Judas, traiçoeiros e assassinos e todos os seus esforços seriam envidados para a consecução do pactuado. (…) Riobaldo era movido pela boa-fé - Abracei Diadorim como as asas de todos os pássaros. Pelo nome de meu pai, Joca Ramiro, eu agora matava e morria, se bem.” E mais, “E sentia que traía o amigo, mas que, mudada a situação originária, o acordo entre os dois deveria ser revisto ou extinto de vez.”

Trata-se do demasiado humano de Nietzche por sobre o direito, que é grande, mas não é maior que a vida, onde se insere. O direito como expressão cultural, mas também como o demasiado humano que se transborda na vida. O desvelo do humano, suas idiossincrasias, aquilo que a filosofia tem medo de adentrar, de se contaminar, já contaminada que está em suas ausências. A propósito, só as mulheres, só as feministas têm lembrado o espectro do estupro nas preocupações sobre o que é o homem, que difere de uma mulher. Por que esse silêncio masculino? Por isso é preciso que as mulheres falem e escrevam.

Os amores impossíveis se tornam possíveis, ainda que brevemente, no calor dos lençóis, na penumbra das esquinas, e com o passar do tempo se naturalizam. Riobaldo e Diadorim. As damas das camélias internéticas de hoje em dia em novos contratos de consumo e de fantasia. Os Alexis de mãos dadas nas ruas, embora correndo riscos. Os Pais Tomás no trono inglês, embora inglês.

A beleza da linguagem que cativa. Em Andrea de Almeida Campos a linguagem literária sobre a literatura é soberba na capacidade de promover o encontro com o direito, para o que não há como evitar spoiler. Cito-a outra vez:

“Mas qual a razão de homens casados continuarem a procurar prostitutas se, a priori, teriam uma vida sexual, teriam um corpo de mulher que o modelo patriarcal colocara a sua serventia. E com o advento da liberação sexual, quando moças e rapazes podem experimentarem-se sexualmente, livremente, por que rapazes que têm uma vida sexual com suas namoradas continuam a frequentar as prostitutas: Se é a escassez que incute preço ao produto, por que pagar pelo que já tem. A resposta nos diz que não se paga pelo corpo, nem pelo sexo, mas pela fantasia.”

Ao fim e ao cabo, estamos diante de uma literatura que se faz e se nutre de literatura, ativa, altiva, de uma mulher, uma autora, uma escritora, uma mulher única, melhor que a maioria dos homens, com sua escrita poderosa, que só pode incomodar aqueles, homens ou mulheres, que se acomodaram a um tempo de institucionalidades anteriores ao Iluminismo. De fato, viver é um negócio muito perigoso. Mas sem perigo não há vida, nem literatura. Viver é muito perigoso, e não é não.