Não eram apenas 46 centavos

Felipe Souto
LLM em Corporate Finance e PhD Candidate na University College London (UCL), é sócio de Lima e Falcão Advogados

Publicação: 11/07/2018 03:00

Perdemos mais um bonde, distraídos com 0,46 centavos de real.  E as consequências são maiores e duradouras que os R$ 9,5 bilhões que sairão do orçamento de 2018. A greve dos caminhoneiros deu-nos oportunidade para discutirmos as causas da crise e pensarmos soluções estruturais, de longo prazo. Mas ficamos debatendo soluções pontuais, verdadeiros cala-bocas, e ignoramos nosso futuro.

Durante a greve, não se discutiu a origem do problema: o uso político da Petrobras. Entender isso não requer muito esforço intelectual: é exercício de lógica primária. Pagamos caro pelo populismo irresponsável e pelos abusos à Petrobras. Com mais um surto de amnésia voluntária, o Governo Federal forçou a costumeira  (des)governança e impôs a redução de preços. Decerto, a conta virá, e numa versão piorada.

O Brasil precisa se livrar da Petrobras, e a Petrobras de nossos abnegados políticos (os do patrimônio alheio!).  Passou da hora de privatizarmos a Petrobras. Na mesma cesta, aproveitaríamos para promover um “saldão” de 148 estatais da União e das mais de 500 estatais estaduais. Só questões políticas, por motivos não republicanos e criminosos, podem justificar a manutenção desse excesso de estatais.  

Chegamos no limiar de quem passa seis meses do ano somente alimentando um Estado irritantemente ineficaz e deficitário. Nada justifica uma dotação orçamentária de R$ 129 bilhões com despesas de pessoal e encargos sociais, superior ao orçamento da saúde (R$ 119 bilhões), educação (R$ 89 bilhões) e apenas R$ 7 bilhões em investimentos. É preciso muito malabarismo retórico para discordar de que o Estado brasileiro não sabe priorizar e está inchado.

O país, na pior crise fiscal da sua história, não pode se concentrar em debater apenas soluções relacionadas às receitas – mais precisamente, a tributária – e simplesmente ignorar fator preliminar, como as despesas correntes (custeio da máquina), menos flexíveis e aptas a manobras. O Governo Federal restringiu-se a propor renúncia de receita ou majoração da carga tributária. O resultado? Com tanta despesa obrigatória e arrecadação em declínio, reduziu o orçamento dos setores que deveríamos priorizar.

Essa crise também nos mostrou o quanto a logística continua dependente da malha rodoviária. Não debatemos como diminuir essa dependência. Precisaríamos aproveitar a crise para iniciar um movimento de expansão de outros modais, como ferrovias, hidrovias e a navegação de cabotagem. O Brasil tem apenas 29 mil km de malha ferroviária, enquanto outros países de dimensões continentais têm 294 mil km (USA), 125 mil km (China), 87 mil km (Rússia), 77 mil km (Canadá) e 68 mil km (Índia).

Ao invés de reduzir a mão do Estado, vemos surgir, como efeito colateral imediato da crise, medidas no sentido contrário. O Governo impôs à Petrobras política de preços. A empresa, que concorre no mercado internacional flutuante, terá que praticar preços em datas fixas e alheia à flutuação do dólar. O Governo negocia o tabelamento dos fretes. Quem pagará a conta? O consumidor final. Num segundo momento, a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural – ANP convoca audiência pública para identificar formas de tornar o preço dos combustíveis mais previsível. E anteciparam: fixar período de reajuste para todo o setor é uma possibilidade.

Por fim, o Governo Federal coloca sua máquina para punir os postos que não derem o desconto de R$ 0,46 ao consumidor final. Na sua ânsia intervencionista, ignora a peculiaridade da cadeia do setor, que é repleta de intermediários. Ou seja: a mão indesejada do Estado se fez útil, outra vez, ao populismo fácil, tão comum no Brasil.

São vários os sinais de que não entendemos o cerne do problema: a desnecessária onipresença, a atrofia e a ineficiência do estado brasileiro. E para piorar, reafirmamos e reforçamos todos esses predicados.