Vestígios de Cecília Meireles no bairro de Sta. Tereza, RJ

Marly Mota
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicação: 21/07/2018 03:00

Depressa passam os dias, meses e anos. Diz Mário Quintana: Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é Natal... Vivemos tão pouco! Começamos a viver tão tarde! Tantos livros a reler, como se houvesse diante de mim a eternidade, ou como se ainda houvesse tempo para realizações, agora que sou avó e bisavó, não desisto mesmo! No papel em branco ponho as palavras, tentando prender o tempo de quando tudo era sem pressa, rodando com a ciranda, pulando corda, ouvindo de Sá Ana estória de bichos falantes, relíquias de tempos idos.

Por esse caminho chega-me a lembrança do meu colégio de freiras severas, quando participava da aula de português, em sessão de leituras, me foi dado ler poesia de Cecília Meireles, também da admiração de minha mãe, Maria Digna. Descobriria depois, as duas tinham a mesma idade e os mesmos olhos azuis. Minha mãe católica fervorosa. Cecília adepta de religiões orientais, não se considerava cristã.

O jornalista Cícero Sandroni, na sua coluna: “Quatro cantos” no jornal Correio da Manhã do Rio em 14-11-1968 noticiou a exposição dos meus primeiros quadros, na residência dos nossos amigos escritor e jornalista, José Condé e de sua amada Luiza, à Rua da Matriz em Botafogo, mesma época em que Mauro Mota foi indicado candidato à vaga da cadeira nº 26 da ABL, com a morte do escritor Gilberto Amado. Passamos a residir três meses no Rio de Janeiro. Do Hotel Florida fizemos nossa casa. Mauro Mota eleito, das sessões semanais nos chegavam o festejado Boletim Semanal de Informações da Academia Brasileira de Letras. O jornalista meu amigo Cícero Sandroni ocupou uma cadeira na ABL. Tempos depois à Presidência. O noticioso Boletim Semanal de Informações da Academia Brasileira de Letra, depois de lido por Mauro Mota, e por mim, passei a arquivá-los. Entre eles, encontrei o depoimento pessoal de Sandroni, destacando a obra e a beleza de Cecília Meireles, ao lhe conceder entrevista para o jornal O Globo, em 1959 sobre A Poesia Brasileira. Na mesma sessão, o amigo, acadêmico Antonio Carlos Secchin, das minhas convivências acompanhando Mauro Mota na ABL. Secchin descreve o famoso encontro fracassado entre Cecília Meireles e o poeta português Fernando Pessoa. Diz Secchin: - Pessoa inopinadamente não compareceu, deixando Cecília a ver navios em frente ao Tejo. Dia seguinte mandara entregar, no hotel em que se hospedava Cecília, o exemplar: A Mensagem, com transbordante dedicatória. Já em 1934/35 Fernando Pessoa reconhecia a altíssima qualidade da poeta, como ele chamou na dedicatória à Cecília.

Nos lugares evocados de outros tempos, ficou o sorriso de Cecília eternizado no retrato que lhe pintou o famoso artista húngaro Arpad Szenes. Na Chácara da Tijuca onde viveu com a avó Benevides, nos Arcos da Lapa, com o bondinho parecendo de brinquedo. Ali onde reina o silêncio, na bela casa colonial com varandas, beiral, telhas e azulejos portugueses,onde Cecília Meireles deixou vestígios da sua presença, dos seus poemas, no bucólico bairro de Santa Teresa.