Adeus às armas

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.
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Publicação: 24/09/2018 03:00

Há formas de se despedir do poder. Com elegante patrimônio moral, como Obama. Com imensa frustração política, como De Gaulle. Com suprema indiferença social, como Helmut Kohl. Mas, brandindo um estatuto da metamorfose, como Lula fez, é a primeira vez.

Desde que foi denunciado, processado e condenado, Lula ocupou-se em transmudar sua atitude. Primeiro, ele mostrou plástica surpresa. Olhos arregalados, boca aberta, expressão absorta. Depois, com o prosseguimento do processo, ele passou a negar. Não viu, não sabia, não contratou, não comprou, não vendeu. Na prisão, assumiu o discurso da acusação. De acusado, transformou-se em acusador. De preso, transformou-se em inquisidor.

O tom desrespeitoso e acusatório à Justiça foi seu método de trabalho. No mérito, frente à série de derrotas judiciais, em todas as instâncias, consentiu na prática de chicana processual. Foi mais de uma centena de recursos de todo tipo.

Na verdade, no seu caso, não houve judicialização da política. Houve continuadas tentativas de politização da Justiça. Porque ele reiterou o discurso de que é um perseguido político. Sem ser. De que é um preso político. Sem ser. Pois os juízes atuaram constitucionalmente conforme as normas do Estado de Direito. E o processo legal foi inteiramente cumprido.

Desse episódio, restaram três consequências: para as instituições públicas brasileiras; para o PT; e para Lula.

As instituições brasileiras deram uma prova de incontornável funcionalidade. A polícia investigou, os procuradores denunciaram, os juízes julgaram. Ninguém pode negar, nem o mais cético observador, que as instituições sociais, no país, estão mais fortes. Com todos os riscos que as decisões correram. Com todas as manobras que os processos sofreram.

O PT teve uma bela história. Até o dia em que assinou uma improvável aliança com a desonra. O Partido da ética transfigurou-se em hardware de desfaçatez moral. E apequenou-se. À medida em que seus principais quadros iam enchendo prisões, o PT ia ficando menor.

O fato de o PT, em setembro de 2018, ser o Partido com maior número de simpatizantes no país, mostra que, eticamente, o sistema politico brasileiro ficou ainda menor. A direção do MDB está sob investigação. E dois dos maiores líderes do PSDB passam pela prisão.

O PT tem, entre as alternativas no futuro, uma que recupera sua vocação original. A de Partido social democrata. Como o PSDB. No caso do PT, social democrata forjado nos sindicatos e na burocracia. No caso do PSDB, tecido por intelectuais e administradores. Lula não quis conversa com Fernando Henrique. O metalúrgico não alimentou o diálogo com o sociólogo. PT e PSDB afastaram-se.

Dependendo do espaço que Fernando Haddad conseguir no Partido, o PT pode reinventar-se. Principalmente se ele ganhar a eleição. Ele não é metalúrgico nem sindicalista. É professor com mestrado e doutorado em Filosofia. A conversa pode ser outra. Ou desembocar em mais uma crise política.

Por sua vez, Lula, que já foi o cara, afogou-se na amargura do não. Não aos juízes, não aos empresários, não ao Lula real. Lula encarcerou a prisão na irrealidade de sua imaginação. E pretendeu tornar o mundo ao ser redor refém de seu ego.

Resistiu até onde pode a indicar um sucessor. Porque ele sabe que, na medida em que o candidato petista for vivendo, ele vai morrendo. A vida eleitoral de Haddad é a morte política de Lula.              

Vargas saiu da vida para entrar na história. Lula quis criar uma história para continuar na vida. Não deu. O caminho que ele tomou deixa duas correções por fazer: internamente, a falta de qualidade nos programas governamentais que buscaram principalmente quantidade de votos. E, externamente, uma ideia bizarra de bolivarianismo que resultou na tragédia venezuelana.

Sou otimista. O centro que tantos buscam na eleição, vai se concretizar no governo.