A Constituição que é ou a que foi sem nunca ter sido

Élio Siqueira
Desembargador federal do TRF5 e coordenador-regional dos Juizados Especiais Federais da 5ª Região.

Publicação: 18/10/2018 03:00

A comemoração dos trinta anos da Constituição Federal de 1988 é, inegavelmente, a despeito de todos os percalços vivenciados pelo país nas últimas décadas, um momento a ser celebrado, por tudo que ela representou e representa para o encontro do Brasil consigo mesmo e o seu compromisso com o futuro. Mas reclama dos operadores do Direito e dos cidadãos reflexões sobre a sua efetividade, como um instrumento valioso e imprescindível à consolidação e ao aprimoramento do Estado Democrático de Direito.

A Carta Constitucional, apesar de suas vicissitudes, traduziu o sentimento plural da sociedade, à época, trazendo significativos avanços em várias áreas, como nas garantias dos direitos fundamentais, na estruturação do Estado, no desenvolvimento sustentável, no fortalecimento dos três Poderes, no combate às desigualdades regionais e sociais, entre outras.

É interessante chamar a atenção para o fato de que, em que pesem as sucessivas emendas que, em certa medida, a descaracterizaram e a afastaram dos valores que nortearam a sua concepção, com ampla participação direta ou indireta da sociedade, muitas de suas regras sequer foram testadas, efetivamente implementadas, para que se pudesse dizer que, de fato, eram inadequadas e ineficazes. Hoje, ainda são inúmeros os dispositivos que não foram regulamentados e, consequentemente, postos em prática, como o que trata do imposto sobre grandes fortunas. Alguns já foram suprimidos ou alterados, sem que se tentasse aplicá-los na realidade fático-jurídica. É o caso, por exemplo, da limitação dos juros em doze por cento ao ano.

Revela-se tão importante o respeito aos parâmetros ditados pela Lei Maior que os agentes políticos, no âmbito dos três Poderes (inclusive o Judiciário), juram cumprir os seus ditames, no exercício de seus mandatos ou de seu múnus público. No entanto, os gestores e parlamentares, via de regra, tão logo tomam posse, já envidam esforços para reformá-la. Às vezes, na própria disputa eleitoral, eles se comprometem a tal iniciativa. Qual seria a legitimidade para esse proceder? O juramento teria sido mera retórica?

Sem dúvida, é possível a modificação de dispositivos constitucionais, havendo, no próprio texto da Carta Magna, a previsão dos instrumentos para promovê-la. Mas não seria razoável que, diante do juramento que foi exigido como condição para a posse, houvesse o diferimento dos efeitos das aludidas alterações para o mandato subsequente, como mecanismo necessário para assegurar a fidelidade ao compromisso assumido?

Enfim, como dizia Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”! Que a nossa Constituição Cidadã, tão plena e tão atacada, continue como norte de nossos destinos e, principalmente, da atuação de nossos agentes políticos! Que os Poderes, harmônicos e independentes, com seus sistemas de pesos e contrapesos, desempenhem seus misteres, sem sobreposição de um sobre os outros, zelando pelo bem comum e pelo interesse público!