Não é onda conservadora. É ética

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.

Publicação: 17/10/2018 03:00

O que ocorreu, nas urnas, no dia 7, não foi uma onda conservadora. Foi um choque ético.

A história do Brasil contém episódios que são didáticos. Vou mencionar dois deles. O primeiro foi a eleição de Jânio Quadros. Em 1961. Jânio não era filiado a um grande partido. Elegeu-se pelo antigo PTN. Servia-se de banana em comícios no bairro de Vila Maria, seu reduto. Dizendo que não tivera tempo para almoçar.

Fazia um tipo populista. Acentuava esquisitices. Um modo peculiar de falar, arrastando erres. Empunhava a vassoura como símbolo da política de moralização da vida pública. Venceu o general Henrique Lott, candidato do PSD. Com mais de 6 milhões de votos. Num eleitorado de dez milhões de eleitores.

Após sete meses de governo, renunciou. Gerando uma crise institucional. Porque os militares impediram a posse de João Goulart. Foi necessária a perícia política de Tancredo Neves para resolver o impasse. Por meio de uma emenda parlamentarista. Jango assumiu. Trazia um primeiro ministro. E um plebiscito restabeleceu o presidencialismo um ano depois.

O país superou a crise montada no populismo suburbano de Jânio.

O segundo episódio foi a eleição de Fernando Collor. Igualmente populista, elegeu-se por um partido nanico. Praticou uma série de atos arbitrários. Patrocinou a invasão da Folha de São Paulo. Congelou as contas bancárias de poupança particular. Extinguiu órgãos na área da cultura. Terminou sofrendo impeachment.

A Presidência da República foi ocupada pelo vice-presidente, Itamar Franco. Sua sensatez, interrompida por rompantes logo amainados, levou os brasileiros à continuidade democrática.

O país também superou a crise montada no populismo burguês de Collor. Quer dizer, o Brasil escapou, em 30 anos, de duas crises institucionais. Por causa da eleição de presidentes sem talento para o diálogo, sem vocação para o encontro democrático. Sem tom humanístico. Encontro de que falava Hannah Arendt: política é feita a dois.

Jair Bolsonaro é o Jânio dos anos sessenta. É o Collor dos anos noventa. Sua retórica é filha de um deserto de ideias. Seu discurso tem a aridez da ameaça gratuita. Ele não tem grupo político. Ou melhor, tem três políticos, filhos. Não tem equipe. Seu assessor econômico é uma voz solitária. Sem experiência pública relevante.

Bolsonaro não é fruto de onda conservadora. É resultado de um choque ético. A população brasileira, indignada com a corrupção sistêmica, instalada por um condomínio partidário, mandou para casa políticos corruptos, patrimonialistas, clientelistas.

Não se trata de onda conservadora. Trata-se de movimento moral. O eleitor soltou o grito de fora ladrão que estava na garganta. Os votos, que a impressão eletrônica não deixa mentir, são palmas para o juiz Sérgio Moro. Houve uma celebração cívica no domingo eleitoral: o voto buscava a ética.         

Agora, o PT. Penso que o ex-presidente Lula é o carcereiro do PT. E que o professor Fernando Haddad é seu libertador. Lula é o passado. Haddad é o futuro. Lula representa José Dirceu, Antônio Palocci e Dilma Rousseff. Haddad representa outra geração. Lula chefiou um esquema que vem do mensalão. Haddad comandou o Ministério da Educação. Lula desdobrou o petrolão. Haddad lida com salas de aula.

Cabe evidentemente uma pergunta: Haddad terá liberdade para agir?

Entendo que a organização do projeto Haddad passa por duas etapas: primeira, a formação de uma Frente democrática com outras forças afins. E, já aí, o PT terá que ceder em pontos defendidos por outros partidos. A segunda etapa é a elaboração de um programa de governo. Que reflita o conjunto de propostas dos partidos que derem respaldo ao governo. Na hipótese de Haddad vencer a eleição.

Para mim, pessoalmente, Haddad fez duas sinalizações significativas: disse que José Dirceu não integra seu time. E não participará de seu governo. E que a Venezuela não pode ser considerada uma democracia.

Espero que o Brasil contorne mais este dilema. E prossiga na rota democrática.