Prefiro continuar tendo o direito de reclamar livremente do PT

João Evangelista Tude de Melo Neto
Professor de Filosofia da UFRPE, doutor em Filosofia pela USP, tendo realizado estágio na Universidade de Reims (França). É membro do Grupo de Estudos Nietzsche (GEN).

Publicação: 23/10/2018 03:00

Não sou militante nem afiliado ao PT. Nem mesmo votei na legenda no primeiro turno desta eleição. Tenho, na verdade, várias críticas à forma como o partido tem conduzido a política nos últimos anos. Além disso, concordo que, nele, há membros que manifestam, de fato, uma tendência arbitrária. Contudo, enquanto o PT esteve no poder – levando em conta todas suas falhas – mostrou-se democrático. Inclusive, apesar dos protestos e do “discurso do golpe”, agiu democraticamente e respeitou todo o rito processual do impedimento da ex-presidente Dilma. Também verificamos, factualmente, que, durante todos os governos do PT, foi possível fazer, de forma livre, oposição ao partido. Enfim, a história recente demonstrou que no Partido dos Trabalhadores não predomina aquela tendência arbitrária à qual nos referimos há pouco. Por outro lado, uma história menos recente também nos mostrou que, na época dos governos militares – regime defendido abertamente pelo candidato da extrema direita –, vivíamos, realmente, numa ditadura, na qual a repressão aos opositores era extremamente violenta e a possibilidade de contestação diminuta. Ora, levando em conta as evidências que a História nos fornece e avaliando as duas opções, prefiro continuar tendo o direito de reclamar livremente do PT a viver num regime que promete ir além da ditadura que já experienciamos. Com efeito, se o candidato da extrema direita concretizar tudo o que andou prometendo ao longo de sua carreira política, viveremos num regime totalitário e não apenas numa ditadura. Sendo mais direto, o fascismo será implantado no país. Por que? Ora, o discurso dele nos remete às características que definem os regimes fascistas que já vieram à luz também na história. Senão, vejamos. Ele defende publicamente o uso da tortura e da violência para manutenção do poder. Propõe abertamente a aniquilação de adversários políticos, afirmando que tem de fazer “um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil”. Já asseverou, sem pudores, que poderia retirar o poder do Legislativo por meio do fechamento do Congresso. Na mesma direção autoritária, o seu candidato a vice sugere outorgar uma Constituição elaborada por um “grupo de notáveis”. O filho do candidato, um dos seus principais aliados políticos, desdenha das instituições jurídicas e comenta sobre quão fácil seria fechar o STF. Seguindo a linha dos regimes fascistas que vieram à baila na história, propaga um nacionalismo acrítico por meio de um discurso emotivo. Inclusive, utiliza um lema semelhante ao da Alemanha nazista: Deutschland über alles (“Alemanha acima de tudo”). Além disso, dá indicações de que vai perseguir minorias e incentiva o militarismo e a indústria de armas – como também aconteceu na Alemanha de Hitler. Coloca-se claramente contra os princípios e mecanismos democráticos. Por exemplo, questiona, previamente, o resultado das eleições – obviamente, no caso da sua derrota. Tal como aconteceu nos governos fascistas, faz uso das tecnologias de comunicação para manipular as massas. Finalmente, utiliza-se do ódio reprimido e do ressentimento do povo como matéria-prima para ascender politicamente. E, sobretudo, provoca a disseminação desse ódio na sociedade, fazendo do medo um instrumento político de autocontrole da população. Esse último ponto, aliás, é muito relevante para diferenciarmos o regime totalitário do governo ditatorial. No regime totalitário, os mecanismos de extrema coerção e vigilância não são apenas operacionalizados pelo poder de polícia do estado. No contexto totalitário, a repressão violenta é praticada por uma parcela considerável da população que se sente autorizada – de forma tácita ou expressa – a usar a força bruta contra quem pensa (ou é) diferente do modelo ideológico estabelecido pelo regime. Foi assim que aconteceu na Alemanha, após a sua derrota na Primeira Grande Guerra: o ressentimento foi apropriado politicamente e se transformou num violento instrumento de controle social. Na época, perseguiam-se judeus, homossexuais, comunistas etc. Hoje e aqui, homossexuais, esquerdistas, feministas, “petralhas”...

Enfim, prefiro continuar tendo o direito de reclamar livremente do PT.