Um oásis em meio à vida

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicação: 23/10/2018 03:00

A gente já sabia que a tarde de domingo seria excepcional. Mas nenhuma, ou quase nenhuma das pessoas que compunham o público vindo à Academia Pernambucana de Letras, para ouvir música clássica, no caso uma homenagem a Claude Debussy, imaginou que seria aquela mais uma rara ocasião, de se encantar, de partilhar juntos, momentos de puro esplendor, de felicidade, de esquecer e de deixar lá fora, os dias de turbulência, de desencontros, de incompreensões, que estamos vivendo. O concerto, e não é exagero dizer, de altíssimo nível sob todos os aspectos, organizado por Elyanna Caldas, nos ofereceu dois artistas excepcionais, o também pianista Levi Guedes e o flautista Rogério Acioly. Desde o começo da apresentação, na penumbra do auditório, o som mais que suave da flauta nos fez mergulhar no mundo etéreo, fluido, que evocava a poesia de Verlaine, de Mallarmé, a pintura  de Degas, Manet, Monet,  Berthe Morizot, que após o extravazamento do Romantismo, trabalham com impressões, mais que com sentimentos, os sons quase se dissolvendo no ar. Só então Rogério nos explicou como surgiu a flauta na antiguidade, a personagem de Pan, apaixonado por uma ninfa, que a mitologia nos entregou, cantando seu lamento de apaixonado na doçura e na leveza dos sons, numa outra forma de falar de amor que não aquela a que nos acostumaram Chopin, Liszt por exemplo: uma outra linguagem. Em seguida Rogério tocou o Prélude à l’après-midi d’un faune, tornado mais que célebre pela interpretação de Nijinsky, que escandalizou Paris, uma atmosfera de sonho, de semi-tons.  Elyanna, cada vez melhor, cada vez mais artista (como consegue?) superou a si própria, interpretando uma suíte inspirada em grande parte na poesia de Paul Verlaine, de uma candura sutil, delicadíssima, plena de simbolismos: sua alma é uma paisagem escolhida, escreveu Verlaine, na qual personagens fantásticos, ao som do alaúde, dançam tristes e cantam em tom menor, o amor, ao clarão da lua, mesmo sem acreditar na própria felicidade.  Nesta suíte, como não poderia deixar de ser, a leveza das danças bergamascas, e o famoso Clair de Lune, que arrebata a alma mais empedernida, faz sonhar os pássaros nas árvores, como diz Verlaine, um luar igualmente triste e belo. Levi Guedes outro artista excepcional, nos ofereceu uma Ballade, uma Rêverie e a valsa La plus que lente, que todo pianista conhece e sonha interpretar. Para finalizar o concerto, Elyanna e Levi executaram um duo ao piano, acompanhando a flauta de Rogério, La fille aux cheveux de lin (a menina de cabelos de linho) pura delicadeza e profissionalismo. Um fim de tarde excepcional, como aqueles que os conhecedores da arte no Recife, reconhecem à APL, ser um lugar privilegiado para acolher artistas consagrados bem como jovens artistas, numa cidade  carente de tais espaços, e com um público fiel de conhecedores e amantes do que é bom e belo.