Consumo de necessidades?

João Paulo S. de Siqueira
Mestre em consumo e desenvolvimento social. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil.

Publicação: 15/11/2018 03:00

O consumo apresenta-se como um tema transversal, atua de maneira significativa e contundente em diversas áreas do conhecimento: economia, direito, publicidade, psicologia, antropologia, dentre outras. Constitui um processo sociocultural produtor de sentidos, significados e identidades.

Há algum tempo podia ser entendido sob um panorama mais simplista e direto, mas hoje, em nossa sociedade líquida, utilizando uma terminologia do saudoso Bauman, o que podemos entender por consumo? Sem filiação a nenhuma linha de raciocínio específica, penso que consumo é o ato de suprir necessidades.

Dessa forma, é imperioso o questionamento: quais necessidades? Nossas reais e particulares necessidades ou as criadas pelo sistema produtivo? E para responder a essa dilemática questão, basta compararmos nossas vidas hoje, com a de anos atrás. E não precisamos fazer um retrospecto longo, basta voltarmos alguns anos para termos a certeza que muita coisa mudou, em inúmeras perspectivas.

O consumo deixou de ser familiar e tornou-se individual, alteração fundamental para a multiplicação e massificação de consumidores. Há poucos anos, cada residência tinha uma única televisão, hoje cada cômodo tem uma, e a tv fechada, por assinatura, tornou-se vital. O telefone fixo domiciliar transformou-se em celulares, cada um tem o seu, ou os seus, é fato que pesquisa recente do IBGE mostra que, no Brasil, já existem mais celulares que habitantes, e muitas famílias não mais conversam ou verbalizam suas ideias, apenas teclam.

Antes, um computador residencial era suficiente para o acesso à internet de toda a família, hoje esse panorama é impensável. Todos, incluindo crianças, têm smartphones, notebooks, smartwatches, tablets smarttvs, enfim, uma infinidade de possibilidades para se manterem conectados, porque não se “entra” mais na internet como antigamente, agora todos estão completamente conectados. E cada dia mais insatisfeitos e buscando novas possibilidades de conexão. Pois estar off-line é pecado capital.

As famílias tinham um carro, hoje as famílias têm vários carros. Sei que as cidades cresceram, as nossas calçadas não estimulam e facilitam a locomoção, lamentavelmente a violência e a insegurança são realidades e o transporte público é precário. Mas penso que não podemos ser dependentes de automóveis, há outras alternativas, fazer curtos trajetos a pé é possível e traz inúmeros benefícios. Pensemos: mais carros provocam congestionamentos, falta de estacionamento, poluição e cada vez mais consumo agregado.

Os padrões estéticos também foram alterados para estimular o consumismo, com o objetivo de estabelecer uma insatisfação e a constante busca de algo ainda não alcançado, vejamos: há pouco tempo o objetivo estético almejado era a magreza, hoje ser magro não é mais suficiente. A meta é ser “malhado” e “trincado”, e para tentar alcançar esse arquétipo, deve-se seguir uma rígida disciplina de atividades físicas, academia, suplementos alimentares, dietas, indo até extremos de procedimentos cirúrgicos. Tudo em busca de alcançar ou ao menos se aproximar de um modelo de beleza imposto, por quem?

Ter um animal de estimação era algo simplório, o compromisso era com a alimentação, saúde, vacinas e higiene do bichinho. Hoje esse panorama é bem mais amplo e complexo: os pets têm planos de saúde, clínicas de estética, lojas especializadas, coleção de roupas e coleiras, farmácias de manipulação e conquistaram um upgrade no passeio, saíram da rua e agora são frequentadores de shoppings. E mais: ter um cachorro sem raça definida não é legal, o status do consumo é ter um animalzinho de alguma raça específica e cara.

Por fim, importante deixar claro que o objetivo não é simplesmente criticar o consumo, a sociedade e a cultura na qual vivemos, como partícipes e autores. O intuito é propor um questionamento sobre nossas pautas de consumo, que tornaram nossas vidas mais caras, conflituosas e complexas. É fundamental nunca esquecermos que somos seres sociais, mas antes de tudo temos nossas individualidades e podemos sim, questionar se realmente precisamos de tudo isso.