Onze de novembro: poesia, amor e paz

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicação: 13/11/2018 03:00

Foi por acaso. Como muitos de nós, neste lado do Atlântico, a colunista tinha esquecido que a data  comemora em países da Europa o chamado Armistício, celebrando o fim da guerra de 1914-1918. E de repente, na TV5, a televisão por assinatura, testemunhou a cerimônia com a qual, todos os anos, o presidente reativa a chama e coloca flores sobre o túmulo do soldado desconhecido, no Arco de Triunfo, em Paris. Mas, desta vez, a celebração ocupou mais que esse gesto simbólico: durante quase a manhã inteira, ao lado da escadaria do Palácio dos Elysées, sede do governo, Emanuel   Macron, recebeu os convidados,ao lado de Brigitte, a esposa, (uma observação feminina, a simplicidade correta, discreta, do traje, e o detalhe dos cabelos, levemente penteados, sem sombra da mão de um cabeleireiro, perdoem a digressão), solene, mas sorridente, Macron recebeu, abraçou, beijou até, (eh oui!) representantes de países, ministros, presidentes europeus e da francofonia, sob a chuva do outono. E logo todos se dirigiram ao Arco do Triunfo, onde a verdadeira celebração aconteceu. Mais que uma cerimônia oficial, discreta, comovida, num espetáculo rigorosamente planejado, a presença inicial da arte maior, reuniu os dois antigos inimigos, linguagem universal e acima de todos os idiomas, a música, uma suíte do alemão Sebastian Bach, tocada por um violoncelista solitário, no estrado, ao lado dos convidados. Que seria depois seguida pelo Bolero de Ravel, um dos grandes nomes da alma francesa, interpretado pela Orquestra Jovem da União Européia, haja coração. Um telão ao lado, vez em quando mostrava documentos de época: episódios da guerra, rostos deformados, feridos, mortos, não nos foram poupados, pois é preciso lembrar para não esquecer. Alunos de uma escola parisiense leram trechos de cartas de parentes de combatentes, mães saudosas, esperançosas desejosas que findasse o horror, como aquela mãe do jovem morto no dia 7 de novembro, quatro dia antes que se assinasse o Armistício. O discurso do presidente da França superou qualquer expectativa, nesse momento em que as guerras, os desentendimentos entre os povos, entre os indivíduos, se multiplicam, como se não tivéssemos aprendido a lição da paz. Na fala de Macron, lida e interpretada de modo impecável, a presença da poesia, a lembrança de jovens escritores mortos desde o início da guerra, como o quase adolescente Alain Fournier, o poeta Charles Péguy,  Guillauime Apollinaire, que escreveu à amada  “si je mourrais là-bas, sur le front de l’armée, tu pleurerais un jour, oh Lou, ma bien Aimeé”). Nesse  discurso, admiravelmente construído, vez em quando expressões como esta: “Que em nosso mundo a Palavra seja mais importante que a Arma”. E eu lembrei Joan Baez cantando, acho que Bob Dylan: “Que o céu tenha pena de nós, que o céu ajude o menino que completou 21 anos, que o céu ajude o homem que deu uma arma a esse menino”. Depois da cerimônia, nos Champs Elysées desertos, em razão do perigo terrorista, ai de nós, só a beleza outonal e dourada das árvores, o povo de Paris afastado, acompanhando por telões a beleza de um espetáculo único. Ao lado do Arco do Triunfo, alguns ônibus aguardavam os convidados para o almoço cujo menu não fora informado, mas o locutor assegurou que haveria pratos bem franceses como o frango da região de Brest, hum hum. Anunciou que o presidente Trump não iria com os demais nos ônibus coletivos e sim “por seus próprios meios”. E acrescentou, um detalhe simpático: as esposas dos presidentes e ministros, almoçariam entre elas, no Castelo de Versailles, ao lado de Brigitte Macron.