Aluízio Palhano: presente hoje e sempre!

Expedito Solaney
Membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate a Tortura do Ministério dos Direitos Humanos, Dirigente da CUT/PE, Secretário de Bancos Privados do Sindicato dos Bancários de Pernambuco

Publicação: 11/12/2018 03:00

A identificação dos restos mortais de Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, assassinado em 1971, sob tortura comandada pelo então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, personagem que conta com admiração fervorosa do presidente eleito, Jair Bolsonaro. O companheiro Palhano presidiu o Sindicato dos Bancários de Rio de Janeiro (RJ) e foi dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores e da Vanguarda Popular Revolucionaria (VPR), organização política de resistência e combate ao regime militar.

Diante das investigações realizadas, conclui-se que o companheiro desapareceu e foi assassinado em decorrência de ações praticadas por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964, sendo considerado desaparecido político, uma vez que seus restos mortais não foram plenamente localizados e identificados até os dias de hoje. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para a localização e identificação de seus restos mortais, bem como a completa identificação e responsabilização dos agentes e órgãos envolvidos.

Seus restos mortais foram identificados pela equipe de peritos e peritas forenses entre as ossadas descobertas em 1990 em uma vala clandestina no Cemitério Dom Bosco em Perus (SP). Importa destacar que a maioria dos restos mortais ainda não foi identificada. A identificação do corpo de Palhano foi anunciada dia 3 de dezembro, no I Encontro Nacional de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Para a família é um alívio ter garantido o direito de enterrar os seus mortos. A irmã do ativista político assassinado, que participou do referido evento, expressou grande emoção ao afirmar na ocasião que “que vivenciar o luto é um direito à dignidade que deve ser vivenciado pela família e amigos”

A luta de Aluízio Palhano está mais presente do que nunca. A identificação dos seus restos mortais após 47 anos desaparecido, traz à tona o debate sobre memória, verdade e justiça. As recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que trata da necessária punição de quem perpetrou crime contra a humanidade, ou seja, quem torturou, quem matou deve ser punido para que NUNCA MAIS ACONTEÇA!

As elites da América Latina em especial do Brasil são e, sempre foram, golpistas, e só toleram a democracia quando podem manipular, burlar os processos eleitorais e as massas para se perpetuarem no poder. Quando de fato o povo vota contra os interesses das elites, logo vêm os processos de golpe, agora não mais com tanques de guerra nem fuzis, mas sim, com as canetas e o voto de parlamentares venais e traidores nos processos de impeachment, a exemplo da derrubada da presidenta eleita, Dilma Rousseff, que instalou em 18 de novembro de 2011 a CNV e, em 10 de dezembro de 2014 recebeu o Relatório Final no Palácio do Planalto. O documento concluiu que a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, violência sexual, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres resultou de uma política estatal, de alcance generalizado contra a população civil, caracterizando-se como crimes contra a humanidade. Foram identificados 434 casos de desaparecimento de pessoas sob a responsabilidade do Estado brasileiro durante o período de 1964 a 1988. As recomendações apontam para a punição de todos os generais-presidentes da República durante o Regime Militar, e outros militares e civis que perpetraram os mesmos crimes. Ali iniciava-se o processo de resgate da memória e da história com justiça e punição de quem cometeu crimes contra a humanidade.

Contudo, com o golpe de 2016, a agenda de memória, verdade e justiça foi absolutamente engavetada como foi engavetado no Arquivo Nacional o Relatório da Comissão Nacional da Verdade do Brasil. Como isso, o país deixa de resgatar plenamente sua história, cometendo mais uma violação do direito à memória, história e verdade para as gerações atuais e futuras, admitindo inclusive que se possa de novo voltar acontecer a tortura, desaparecimento e morte das pessoas.

No processo de resgate da história, memória e verdade, em 2014, foi formado o Grupo de Trabalho Perus, que contou com a participação do Ministério dos Direitos Humanos, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Prefeitura de São Paulo e da Universidade de São Paulo (USP). As peritas e peritos forenses catalogaram em 1.049 caixas os restos mortais dos militantes e ativistas contra o regime militar, enterrados na vala comum do cemitério Dom Bosco em Perus. Um trabalho de fundamental importância para restabelecer a memória e verdade. Os trabalhos do GT-Perus segue em andamento.

Esperamos, portanto, a continuidade dos trabalhos a partir da garantia de financiamento advindo do governo federal. Requeremos saber o paradeiro de Fernando Santa Cruz, de Rubens Paiva, entre outras e outros companheiros que tombaram em uma luta desigual contra o Regime Militar no Brasil. Seus familiares têm o direito de enterrar seus restos mortais e vivenciar o luto. O Brasil tem obrigação de retomar a pauta de resgate de sua história e memória, trazendo a verdade à tona e punindo quem perpetrou os crimes contra a humanidade. Sem isso, a história fica incompleta, não há reparação, não há reconciliação. Sem isso, é possível que voltem a acontecer atrocidades cometidas pelos militares como na época da ditadura. Para que isso nunca mais aconteça, é fundamental que cada uma e cada um de nós estejamos firmes e de mãos dadas para enfrentar um governo que foi eleito defendendo a redução da maioridade penal, o uso da força e de armas, ou seja, a revogação da Lei do Desamamento. O presidente eleito é admirador e defende as práticas do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. O Brasil e o povo brasileiro não merecem ser violentados novamente.

O Estado brasileiro é signatário de convenções e protocolos internacionais e membro das Nações Unidas (ONU), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros organismos internacionais. É signatário de tratados de direitos humanos que reconhecem a dignidade da pessoa humana, o respeito às diferenças e às liberdades democráticas. Ninguém poderá ser submetido à tortura nem a tratamentos cruéis ou degradantes, entre outros direitos. Portanto, neste ano de 2018 que ora se finda, celebramos neste 10 de dezembro os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste sentido, as celebrações se revestem de fundamental importância para além do 70 anos de vigência, fortaleza e legitimidade dos seus 10 artigos. Particularmente, aqui no Brasil, temos a tarefa de reforçar a institucionalidade do Estado brasileiro e garantir o pleno e independente funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, da Comissão de Anistia, do Comitê Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, entre outros.