Um jardinzinho de nada

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicação: 22/01/2019 03:00

Meu amigo Alexandre Furtado chegou, manhã de domingo, quando eu plantava umas mudas de mamoeiro no quintal. Você sabe que hoje é o Dia Mundial da Árvore? Vibramos com a coincidência, conversamos sobre desmatamentos e outras tragédias, e dividi com Alexandre pequena alegria recente: outro dia, ao passar ao lado de um de nossos canais, a água escura, fétida, refletia um pequeno jardim, pequenos arbustos, plantinhas comuns, banais, cresciam sobre pneus superpostos, pintados com cores alegres. Algum ser humano, talvez um morador de uma das casas humildes erguidas ao longo do curso de água, mesmo sendo um daqueles que “soletram o mundo sabendo que o perdem”, como escreve Drummond, tivera a ideia e a tornara concreta. Tão pouca coisa e de repente a beleza rebentava da terra, como a flor do poema, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. E eu pensei no conto de Olympio Bonald e lembrei a frase de dom Helder, ao incentivar esse tipo de iniciativa ante uma comunidade pobre: “Quem gosta de nós é nós mesmos”. É bem verdade, que, nessa nossa cidade na qual florescem problemas de todo tipo e as queixas se multiplicam contra os públicos poderes, vez por outra grupos de pessoas resolvem tomar em mãos uma parte de seu destino, limpam praças, pintam muros, varrem lixo, semeiam flores, plantam árvores, benditas sejam. A nível mundial, as estatísticas indicam que, cada vez mais, alguns habitantes da terra despertam para esse tipo de ação, preocupados com o destino do planeta, com a poluição, a necessidade de ações para preservação de recursos hídricos, da flora, da fauna, questões muito mais graves do que se pensa. E países se unem para discutir ações efetivas, como está acontecendo em Davos, nestes dias. Um sério documentário mostrou há umas semanas o avanço do mar em alguns países como a Bélgica, os turistas desertando hotéis de luxo, o espaço das praias cada vez mais exíguo. Em programa na televisão francesa, vimos o testemunho de Segolène Royal, que foi ministra do meio ambiente de Hollande, e concorrera à presidência anos antes, relatando quase em lágrimas a situação de regiões no fundo do mar, como na Bretanha e no Mediterrâneo, com as camadas de resíduos, de petróleo, piche, e não sei mais o que, ameaçando a fauna marinha, evidentemente com reflexos na economia. Felizmente um testemunho de técnico do ISA, especialista em reflorestamento e agricultura sustentável, mostrou em um de nossos canais televisivos, que o Brasil pode sim continuar a produzir e crescer sem desmatar nem destruir nossas florestas. Ainda bem, e que essa voz quase solitária seja ouvida por quem de direito. Senão a gente vai ter que confessar que não aguenta mais escovar os dentes com a boca cheia de fumaça como protestava Raul Seixas há algumas décadas (já então?) e suplicar como o cantor: “Pare o mundo que eu quero descer.” E tudo isso me veio a partir de uma simples e frágil muda de mamoeiro no meu quintal.