EDITORIAL » A Previdência e a Lei Kandir

Publicação: 19/02/2019 03:00

A queda de braço entre a União e 15 estados que deixaram de arrecadar bilhões de reais com a Lei Kandir, que desonera as exportações, pode virar moeda de troca para a aprovação da reforma da Previdência que deve seguir, brevemente, para a apreciação e votação no Congresso Nacional. Isso porque os governadores das unidades federativas que brigam no Supremo Tribunal Federal (STF) para receber o que lhes é devido podem condicionar seu apoio às mudanças no sistema previdenciário à quitação da compensação do prejuízo, já que, de setembro de 1996 a junho de 2018, os estados brasileiros tiveram perdas líquidas não compensadas pela União de R$ 637 bilhões.

Essa briga se arrasta há anos e São Paulo e Minas Gerais são os entes federados mais prejudicados, cabendo a cada um, respectivamente, R$ 115,4 bilhões e R$ 100,7 bilhões de transferências não realizadas pelo governo central como compensação pela desoneração de ICMS sobre exportações de produtos primários — mineração aí incluída, de forte impacto na economia mineira —, semielaborados e dos valores dos créditos de ICMS nas aquisições do ativo imobilizado. Os dados são da comissão de estudos sobre a Lei Kandir do Tribunal de Contas do Pará (o sexto estado mais prejudicado, com perdas de R$ 38,56 bilhões).

Além de SP e MG, encabeçam a lista Mato Grosso, com direito a receber R$ 63,45 bilhões; Rio Grande do Sul, R$ 58,79; e Paraná, R$ 54 bilhões. De acordo com o levantamento, os estados brasileiros deixaram de arrecadar R$ 487,6 bilhões de ICMS sobre a exportação de primários, semielaborados e créditos de R$ 324,9 bilhões em aquisições de ativos imobilizados. O que surpreende é que neste período (1996 a junho de 2918) as transferências compensatórias da União às unidades da Federação somaram somente R$ 175,5 bilhões, quantia muito aquém da dívida de mais de R$ 600 bilhões.

No intuito de compensar tamanha perda, a Lei Kandir determinou à União incluir no orçamento valores específicos para ressarcir os tesouros estaduais. Os valores foram estabelecidos em 2003 e, a partir de 2004, passaram a depender de difíceis e complicadas negociações entre os governadores e o governo federal, por meio do então Ministério da Fazenda. São feitos, anualmente, repasses de cerca de irrisórios R$ 2 bilhões, mal representando 10% da compensação devida, que poderia tirar os entes federados da grave crise financeira enfrentada por vários deles.

A questão foi parar no Congresso Nacional, mas a proposta da comissão mista da Lei Kandir para a regulamentação da matéria não prosperou. De se ressaltar que o governo exerce pressão sobre os congressistas, já que não tem qualquer interesse na regulamentação da lei. A inércia do Legislativo levou o STF, em solicitação do governo do Pará, a fixar prazo de 12 meses, encerrado em agosto do ano passado, para que o Congresso estipulasse, por intermédio de lei complementar, as regras do repasse e as cotas de cada estado. Como os parlamentares nada fizeram, o STF determinou que o caso seria resolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que ainda não julgou o pleito.

Os governadores que tomaram posse mês passado têm a expectativa de que o STF retome a questão e decida, liminarmente, pelo pagamento. Isso porque nem o Legislativo nem o TCU cumpriram a decisão da corte suprema de estabelecer as regras para o ressarcimento aos estados. O certo é que uma solução tem de ser encontrada, rapidamente, pois não se pode dar calote em tão vultosa soma. E é aí que entra o poder de barganha dos governadores. Devem pressionar os deputados e senadores de suas unidades federativas para votar a favor da reforma da Previdência em troca do repasse dos recursos a que têm direito pela Lei Kandir.