O institucionalismo da imprensa brasileira

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicação: 16/02/2019 03:00

Desastres recentes no Brasil, como o da barragem em Brumadinho e o do Centro de Treinamento do Flamengo, tiveram ampla repercussão na imprensa brasileira. Em todos esses casos, a imprensa desenvolve sempre o mesmo método de abordagem. Após reproduzir a tristeza envolvida no drama humano, passa a buscar falhas no cumprimento de leis e regulamentações para denunciar culpados. Esse procedimento metodológico, no entanto, contribui para retardar o desenvolvimento econômico brasileiro. Por isso, seus membros precisam refletir sobre essa abordagem e talvez tentar mudar a postura para que o país possa se desenvolver mais rápido. Devemos buscar mais bem-estar para a população, não encher as cadeias de supostos negligentes ou os tribunais de serviços inúteis para ampliar a burocracia jurídica brasileira.

O Brasil é um país em que se cria regras demais. Sendo um dos países que mais tem advogados no mundo, é de se esperar que isso ocorra. Para se ter uma ideia, há no Brasil um advogado para cada 209 habitantes, enquanto esse mesmo número para os EUA é de apenas um para cada 256 e na Alemanha um para cada 493. Na França e Inglaterra esses números são um para cada 1074 e 354, respectivamente. Na China e Índia, países dos BRICS, esses números são 5.092 e 1.021, respectivamente. Até mesmo na Itália, país reconhecidamente burocratizado, são 242 pessoas para cada advogado. Ou seja, nosso número de advogados é um absurdo. Uma das consequências perversas desse excesso é a criação de regras em demasia.

Por causa desse excesso de regras, todos os agentes econômicos e cidadãos no Brasil são criminosos. Ninguém é capaz de cumprir todas as regras a que está sujeito. 99% dos produtores rurais descumprem normas e regulamentações ambientais, de trabalho, de segurança e fiscais. Mais de 90% das empresas, sejam elas industriais ou de serviços também descumprem normas e regulamentações, sejam elas trabalhistas, de segurança, tributárias, ou sejam lá quais outras. Na maioria das vezes seus gestores nem conseguem conhecer todas as regras. Em outras, as regras são inviáveis, criadas por alguém que não tem a mínima noção do mundo real. Tipo baladeiros de Ipanema, que nunca pegaram numa enxada ou ordenharam uma vaca, criando regras ambientais para a produção agropecuária no Sertão de Pernambuco. Outras consequências desse excesso de regras é a informalidade da nossa economia, que atinge níveis recordes para os padrões internacionais, e o aproveitamento dela por criminosos, como corruptos e contrabandistas.

Esses dados mostram que é sempre possível achar regras não cumpridas no Brasil. Daí esse caminho da imprensa ser o mais fácil. Após catástrofes, os periódicos impressos enchem suas páginas com informações sobre tais falhas e os telejornais povoam suas cenas com condenações por descumprimento dessas regras. Entretanto, ao agir dessa forma, a imprensa chancela essa prática de criação excessiva de regras e dá a impressão aos burocratas de que estão fazendo algo útil para o Brasil. Duas práticas perversas para o desenvolvimento do país. Pode ter certeza de que a maior parte das tragédias na verdade são geradas por excessos de regras. A barragem de Brumadinho poderia ter sido construída com menos custos e menos riscos se as regras ambientais não tivessem forçado ao acúmulo excessivo de resíduos daquela forma. O incêndio no Ninho do Urubu (Flamengo) não teria sido tão perverso se regras sobre trabalho infantil e alojamentos não fossem tão severas. Ou seja, não são os descumprimentos de regras que geram os acidentes, mas sim o excesso de regras e a marginalização de nossos empreendimentos.