O Realismo em Rafael

Plínio Palhano
Artista plástico

Publicação: 19/02/2019 03:00

Rafael Sanzio (1483–1520) foi o mais jovem da tríade, no Alto Renascimento — ante uma plêiade de notáveis —, que formou com Leonardo da Vinci e Michelangelo Buonarroti. Também foi o mais silencioso deles, porque os estudiosos se basearam mais em sua obra plástica para decifrar o artista, enquanto os outros dois deixaram uma imensidão de informações escritas e testemunhos: Leonardo, com os seus infindáveis cadernos de anotações, estudou tudo ao seu redor, deixando para a posteridade desenhos e textos que ainda hoje espantam o público e os especialistas; e Michelangelo com os versos e depoimentos que deram pistas para falar sobre o autor do afresco do teto da Capela Sistina.

Rafael Sanzio foi o que teve a oportunidade de iniciar muito cedo a sua formação, tendo a sorte de ter um pai, culto e sensível, Giovanni Santi, artista que o iniciou nos primeiros passos na pintura e o percebeu como um talento precoce, encaminhando-o, aos 11 anos, a uma das sumidades da época, Pietro Perugino, em Perúsia, para dar a solidez do alicerce ao futuro renascentista. Aos 17 anos Rafael já era considerado um mestre para concretizar a concepção de sua obra.

Segundo os críticos e historiadores, ele recebia as influências, mas não se escravizava a elas. O artista tinha o ímpeto natural de superar o mestre. Foi o caso com Perugino em algumas obras, como O casamento da virgem (1504), que fez o historiador suíço Jacob Burchardt dizer que “Rafael pintava como Perugino devia ter sempre pintado.” De Leonardo e de Michelangelo recebeu influências e as adaptou à sua maneira; do primeiro, sobre os retratos e as madonas; e, do segundo, a anatomia de algumas personagens das cenas bíblicas da Capela Sistina. A personalidade plástica de Rafael era tão forte que não se percebia — apesar de alguma influência — outro artista em sua obra a não ser ele mesmo com o seu Realismo, com as suas cores, seu desenho, o encanto das figuras representadas...

Rafael foi um artista de sucesso, não teve dificuldades para alcançar o topo da aceitação de sua obra no mercado de clientes ricos, mecenas e, principalmente, por parte da Igreja. Suas invenções aludiam à mitologia clássica, a deuses e deusas, à fé católica, a temas bíblicos, a santos, a anjos e a mensagens da salvação cristã. Dois papas se interessaram pelo seu trabalho no Vaticano e o contrataram. Júlio II e Leão X foram os que mais investiram. Destes fez retratos importantes e históricos. Leão X gastou o que a Igreja não poderia suportar e levou o Vaticano a séria crise financeira. Foi, no entanto, a fase mais rica quando se trata de obras de artes nesses papados, como as de Michelangelo e de Rafael, que foi também nomeado arquiteto-chefe da nova Catedral de São Pedro — e de outros como Piero della Francesca, Signorelli e Perugino. A estratégia da Igreja era atingir os fiéis com as representações das suas tradições, numa investida contra o espírito da Reforma: segundo o pensamento, as imagens diriam mais que as palavras; portanto, as disseminações de obras de artes falavam às almas, como numa pregação plástica permanente.

O excesso de trabalho fez com que Rafael formasse a sua equipe de colaboradores artistas e discípulos para dar conta das encomendas vindas essencialmente do Vaticano. As tarefas eram divididas entre estes, sob a direção e inspiração do mestre, para que tudo se harmonizasse, desde a concepção ao acabamento das obras, como era a práxis de todos os ateliês eminentes do seu tempo. Júlio II encomendou-lhe afrescos para a Stanza della Segnatura (Sala da Assinatura), e Rafael concebeu a temática com representações de figuras bíblicas, mitológicas e de pensadores da Antiguidade e da Idade Média, onde se fazem representados Cristo, Aristóteles, Platão, Apolo, com títulos como A disputa, Parnaso, Escola de Atenas e Justiça. Enquanto Rafael trabalhava nas salas do Vaticano, Michelangelo elaborava o afresco, à porta fechada, no teto da Capela Sistina, desvelando a primeira parte da obra em 14 de agosto de 1511. O sucessor de Júlio II, Leão X, não dá trégua a Rafael e sobrecarrega-o com mais trabalhos, entre pinturas e afrescos, inclusive uma série de desenhos com o fim de realizar tapeçarias para enaltecer o próprio pontífice, por sugestão do mesmo, comparando-o ao apóstolo Pedro, como numa propaganda papal. No entanto, habilidosamente, Rafael desenvolve o tema retirando-o dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, fornecendo uma perspectiva própria.