Subscrevendo

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicação: 24/04/2019 03:00

Convencido de que uma coisa foi 1964 e, outra, o que fizeram daquele movimento, ou o que ele terminou sendo, e convencido também de que a ruptura constitucional de 1964 literalmente salvou o Brasil – não me sentia, porém, à vontade com a iniciativa de uma comemoração oficial do 31 de março. Parecia-me provocação desnecessária, não se devendo dar pretexto a contestações, agitações, polêmicas, por parte daqueles que estão catando assuntos menores para fazer confusão – de fato, para  disfarçar a raiva substancial que os domina, a raiva de terem perdido o poder, ter findado o projeto totalitário que desenvolviam sobre o país, terem perdido as mamatas, ter sido estancada a corrupção em que se fartavam.

Descubro agora que a razão profunda de meu desconforto era outra – e só tomei clara consciência disso ao ler o excelente artigo de Pedro Henrique Reynaldo Alves, que venho aqui literalmente subscrever, quase repetir. Há um motivo muito maior do que a não-provocação, para não se fazerem comemorações oficiais daquela data em que as Forças Armadas, atendendo aos reclamos do povo, salvaram o Brasil.

É que, vencedores e vencidos de 1964, somos todos brasileiros, e amamos igualmente o Brasil – e houve lamentavelmente vítimas de um lado e de outro, muita dor e muito sofrimento dos dois lados, muito sangue derramado. Não importa se o número de vítimas – mortos, aleijados, desaparecidos – foi bem menor do que em outros regimes totalitários, vizinhos ou distantes (na Argentina, em Cuba, na Rússia, por exemplo): todos  temos amigos, parentes, conhecidos a chorar, ou temos conhecidos que têm parentes mortos pelos quais ainda estão chorando, e muito.

Qualquer comemoração pode parecer tripudiar sobre dores alheias, que são imensas e ainda estão muito vivas. Não importa também discutir a motivação das ações (podem ter sido equivocadas, mas exprimiam idealismos) que levaram aos episódios de que resultaram aquelas vítimas: o fato é que houve vítimas, e seus familiares ainda hoje, com toda razão, as choram. Mais do que magnanimidade quanto aos vencidos, trata-se de fraternidade – o sentimento de fraternidade nacional que aproxima cada um da dor do outro. Explicáveis ou inexplicáveis, houve perdas, perdas terrivelmente dolorosas – e o que temos a fazer agora é abraçar todos os que choram, independentemente das motivações que ocasionaram as tragédias.

Melhor será deixar qualquer comemoração de lado e esperar que a História cumpra seu papel – essa história que anda tão vilipendiada hoje, com a mídia e muitos de seus “professores” a deformando conscientemente. O que podemos fazer é nos solidarizar com os parentes de todas as vítimas – do lado vitorioso e do lado derrotado, – e chorar com eles. (Poderia ser um gesto de pacificação nacional edificar um memorial por todos eles – todos os desaparecidos, os mortos, os mutilados, os feridos, de um lado e de outro). Cabe-nos também, e sobretudo, procurar esclarecer o destino final de cada um – como cada um morreu, – localizar os restos mortais e lhes dar sepultura digna. Este, o direito de conhecer o destino final do parente morto ou desaparecido e dar ao que deles restou destino digno, é direito humano fundamental, infelizmente não incluído (mas ainda pode ser) no rol do art. 5º da Constituição.