Lei Antidrogas e sua inconstitucionalidade

Célio Avelino
Promotor de Justiça aposentado e advogado

Publicação: 18/05/2019 03:00

Ora, se “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal, artigo 5º, II), não há como a Lei Antidrogas (Lei 11.343/ 2006) pretender invadir a intimidade do cidadão e dizer que é infração penal a pessoa, no recesso do seu lar, fazer uso de qualquer droga, seja cigarro, álcool ou mesmo maconha. O artigo 28 dessa lei tem a seguinte redação: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.” Assim, embora sem prever a prisão para quem usa drogas para uso próprio, considera essa conduta uma infração penal, o que é inconstitucional e desarrazoado. O Brasil tem, segundo últimas pesquisas, mais de 730 mil presos, sendo que cerca de 40% desses estão envolvidos com drogas, ou seja, 292 mil presos estão nos presídios em função da lei que teria como objetivo a prevenção do uso indevido de drogas...

Há drogas lícitas e drogas ilícitas, mas para os efeitos da lei as drogas ilícitas são somente aquelas especificadas em listas atualizadas periodicamente pelo Ministério da Saúde, “capazes de causar dependência”. Não há qualquer critério científico a distinguir drogas lícitas e ilícitas, sabido que toda e qualquer droga acarreta algum prejuízo ao seu usuário. De fora dessa lista, fica o cigarro, o álcool, o café, chocolates, refrigerantes, etc. O cigarro, por exemplo, é reconhecidamente danoso ao seu usuário que ingere cerca de 4.700 substâncias tóxicas e causa dependência. Graças a uma política correta de prevenção, o uso do cigarro vem diminuindo consideravelmente, enquanto as drogas que a lei considera ilícitas, a maconha, a cocaína, etc, vem aumentando de forma substancial.  

O álcool é a substância psicoativa com maior consumo e dependência no Brasil, mas é considerado droga lícita e o seu consumo é tolerado socialmente e a sua publicidade absolutamente livre.

A inconstitucionalidade desse artigo 28 está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal desde 2015. O Relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela sua inconstitucionalidade, enquanto os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, embora acompanhando o Relator, limitaram o voto ao porte da droga maconha. Pertinente transcrever o respeitável voto do ministro Barroso: “É preciso não confundir moral com o direito. Há coisas que a sociedade pode achar ruins, mas elas não são ilícitas. Se o indivíduo na solidão de suas noites beber até cair desmaiado em sua cama, pode ser ruim, mas não é ilícito. Se fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de dormir isso parece ruim, mas não é ilícito. Pois digo eu: o mesmo deve valer se ele fumar um baseado entre o jantar e a hora de ir dormir. Não estou dizendo que é bom, mas apenas que o Estado não deve invadir essa esfera da vida dele para dizer se ele pode ou não”.

Após os votos dos ministros Gilmar Mendes, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso que davam pela inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas, o ministro Teori Zavaschi pediu mais tempo para analisar o caso, mas com a sua morte em 2017, o processo passou para o ministro Alexandre de Moraes, que liberou o tema para ser julgado e que já está em pauta para o próximo dia 5 de junho. Nessa data o Supremo Tribunal Federal irá dizer se é infração penal o porte de drogas para uso próprio, isto é, se o cidadão pode consumir qualquer droga, seja ela considerada lícita ou ilícita.