EDITORIAL » A Câmara e o retrocesso

Publicação: 21/09/2019 03:00

A Câmara dos Deputados jogou fora a oportunidade de se reconciliar com a sociedade que, nos últimos tempos, dá mostras seguidas e cabais de sua insatisfação com o desempenho de seus representantes no Parlamento. Ao insistirem em manter regras eleitorais que facilitam o caixa 2 e inviabilizam a transparência das despesas de campanha financiadas com o dinheiro público, entre outras excrecências, os deputados federais, na verdade, confirmaram o inaceitável retrocesso nos costumes políticos do país. Deveriam ter em mente que a opinião pública repudia maquinações que proporcionam práticas nada republicanas no processo eleitoral.

Não existe justificativa plausível, a não ser a tentativa de impedir a transparência no pleito que se avizinha, para a manutenção da minirreforma eleitoral derrubada, em seus pontos mais obscuros, pelo Senado Federal. Na Câmara Alta, não prosperou a iniciativa dos deputados federais para a volta de práticas deixadas no passado e que em nada contribuíram para o aprimoramento do processo democrático. Pelo contrário, só comprometeram a lisura das eleições para a escolha dos representantes do povo.

Como é possível defender uma proposta para que o Fundo Partidário, dinheiro do contribuinte, possa ser usado para pagar advogados de candidatos, além de possíveis multas impostas pela Justiça Eleitoral? Como explicar o uso do mesmo fundo para a compra ou aluguel de bens móveis ou imóveis, valores que também poderão ser destinados à construção de sedes de partidos e realização de reformas nas existentes? Farra inaceitável com o dinheiro público, quando o país enfrenta uma crise fiscal sem precedentes, em que faltam recursos para a saúde, a educação, a segurança pública e para outros serviços essenciais.

O Senado derrubou a maioria das proposições maquinadas, na surdina, na Câmara dos Deputados, durante a elaboração da minirreforma eleitoral. Devolvida à Câmara, em ato insensato, os pontos repudiados pelos senadores foram incluídos novamente no Projeto de Lei 5.029/2019. Na realidade, alguns deles facilitam o retorno do caixa 2, proibido por lei. De acordo com analistas, duas propostas podem contribuir para essa prática ilegal. Uma permite que o pagamento de serviços advogatícios — isso para o acusado de irregularidades pela Justiça Eleitoral — não entre no limite de gastos de campanha e possa ser quitado por doações de pessoas físicas sem limite de valor. A outra anistia a multa por desaprovação de contas de campanha.

Existem outros dispositivos para beneficiar os partidos políticos, como uma brecha para aumentar o Fundo Eleitoral. O Senado manteve o valor de R$ 1,7 bilhão, o mesmo do pleito de 2018, mas a quantia para o ano que vem será definida no Orçamento. Também permite a volta do tempo de propaganda na televisão e no rádio e o uso da verba do fundo eleitoral para impulsionar o uso da internet, o que hoje é proibido.

Agora, está nas mão do presidente Jair Bolsonaro a responsabilidade de vetar a minirreforma, verdadeiro retrocesso patrocinado pela Câmara dos Deputados. O país não aceita mais conviver com práticas que contrariam os anseios da população. E os parlamentares não podem se esquecer de que serão cobrados por suas ações nas próximas eleições