O que temos para hoje

Angelo Castelo Branco
Jornalista

Publicação: 14/09/2019 03:00

Longe deste eterno aprendiz de repórter a pretensão de emitir valores definitivos e irretocáveis a respeito de questões políticas ou sobre pessoas, animais e coisas.
 
As ideias que me afloram transitam tendo como referências o privilégio das lições dos mestres  e de amigas cabeças mais densas e mais sábias.
 
Percorro esse túnel com alguma frequência ou sempre que suponho existir uma luz em seu final. Nesse momento penso que o Brasil não conhece ou não aceita muito bem o Brasil. Estão tratando o presidente Bolsonaro e a família dele como se fossem extraterrestres. Ele apenas foi eleito para quatro anos na cadeira do Palácio do Planalto conforme determina a Constituição.
 
Dá a impressão que os críticos do eleito da vez nunca tiveram a oportunidade de frequentar e ouvir o que diz o Brasil nas paradas de ônibus, nas estações de metrô, nos botecos da periferia, nas peladas de futebol, nas padarias e nos açougues. Bolsonaro não é Lula. Nem é FHC.
 
Lula é um cara inteligente que soube costurar o apoio da intelectualidade brasileira e europeia dos anos 70 para chegar ao poder posando de metalúrgico que “nunca leu um livro”. A linguagem de Lula e as metáforas por ele usadas em recados eleitorais tinham o endereço certo para uma nação de maioria pobre, carente e analfabeta em grande escala. Afinal, é lá que está o voto.
 
A intelectualidade se incorporou a esse projeto e até aprovou os erros, certamente propositais, de concordância gramatical com que Lula agredia o vernáculo mas agradava à massa abandonada pela utópica tese da escola pública eficiente. Escritores, artistas, poetas e seresteiros aderiram ao novo momento indiscutivelmente necessário ao amadurecimento e aprendizado da democracia até hoje inédita sob certos aspectos no Brasil.
 
E, no melhor estilo de uma elite que o apoia e que o transformou numa ideia, o companheiro presidente não fez por menos. Deixou marcas importantes mas legou uma nação esmagada pelas consequências de imprevidências, maus feitos e equívocos estarrecedores.
 
O lulismo é uma lição absolutamente importante e necessária para o despertar do juízo crítico do povo brasileiro. O processo histórico é assim mesmo. Há partos naturais e rápidos e há partos que demoram e exigem dolorosos fórceps para salvar a mãe e o feto. O plano Real é, até agora, um sintoma muito positivo para a nação atrasada em relação aos irmãos ricos e bonitos e da mesma idade, que nasceram no hemisfério norte das Américas.
 
O fenômeno Bolsonaro saiu literalmente dos ombros da nação. Os ombros foram os meios de transporte usados pelo candidato em todos os lugares onde chegava em sua campanha presidencial. Um tipo de transporte pouco seguro porque exige força física do transportador e equilíbrio do transportado. E foi em pleno uso desse modal de transporte que Bolsonaro provou o gosto amargo da insegurança pública, esfaqueado sem que o transportador nada pudesse fazer pelo seu passageiro. Deu no que deu. Ganhou a eleição.
 
Bolsonaro é a periferia que chega ao poder sem as bênçãos da elite intelectual e sem o aceno dos jardins paulistanos. Tanto quanto o cara despretensioso que espera um ônibus mastigando chicletes num terminal de integração suburbano, Bolsonaro jamais passará pela calçada da Academia Brasileira de Letras.
 
Ele recebe o vice-presidente americano para um café da manhã tendo como “pièces de résistance” uns iogurtes danone, um litro de Fanta laranja, uma garrafa térmica e uns salgadinhos da padaria mais próxima. O PT de Lula certamente faria algo mais refinado, “comme il faut” como dizem os franceses. Longe de sofisticações, é a cultura da caserna e da ordem unida que povoa a cabeça do presidente.
 
Ele fez do combate à corrupção e aos gastos supérfluos a sua principal mensagem. Ninguém espere um gesto refinado do presidente. Ele é a cara do brasileiro comum que anda de ônibus e molha os pés nas ruas encharcadas dos invernos em galerias entupidas. Cometerá erros e provavelmente acertos. Não fugirá do figurino constitucional porque o Brasil do fórceps aprendeu lições e descobriu o caminho das ruas quando se faz necessária a defesa da democracia e da República.