A poesia rouca e rebelde de Dora

Raimundo Carrero
Membro da Academia Pernambucana de Letras
raimundocarrero@gmail.com

Publicação: 29/06/2020 03:00

A revista eletrônica Philos está lançando uma nova poeta. Chama Dora de Assis e o seu livro é Poesia  Rouca. Descarnada de qualquer enfeite, sem lantejoulas ou firulas literárias, sem banlangandãs de qualquer espécie, direta ao sangue e ao coração; sem busca de favores e completamente inflamada pelo sentimento do mundo, de que nos fala Carlos Drummond; com o rigor de uma rebeldia serena. Sim, a rebeldia de Dora é serena.

Não sei quem é Dora, o que faz ou  o que fará da vida. Embora o “fará” seja fácil de prever. Fará, como faz, aliás, uma grande poesia saindo do seu silêncio para invadir o mundo com a obra forte e descompromissada com escolas ou situações. Continuará exercendo seu ofício com o mesmo destemor com que começa neste livro da Philos.

Talvez se chame rouca de tanto lançar seus gritos ou seus poemas nos céus do Brasil, sem ser ouvida, mesmo que não os tenha publicado ainda em livro, imagino. O que está fazendo somente agora, depois de tanta timidez? Creio, porém, que  precisará manter o grito, ainda rouca, para manter o nível de sua produção literária, dada a conhecer neste livro que nos chega também, e contraditoriamente quase em silêncio.

Não é por acaso que Dora é, por assim dizer, o feminino de dor, embora na maioria das vezes venha de Auxiliadora, mas é bom não esquecer que um nome é também um destino. E os pais parecem perceber  logo cedo que aquela menina sofrida  com este nome carrega nos ombros as dores do mundo. Deste vasto e cruel  mundo.

Aliás, num dos seus versos Dora grita sua autodefinição que nos chega como uma contradição: “E de repente querer o distante me pareceu uma ousadia tímida e ingênua ir até o distante esperando o sim”. Sem dúvida a contradição de uma ousadia tímida e ainda ingênua. O que parece uma contradição logo se explica porque a ousadia nasce da timidez. E, em consequência, ingênua.

A rebeldia é filha da timidez em movimento, aquela timidez que já não suporta a inquietação da dor. ou como disse um dos meus personagens no meu romance Viagem no ventre da Baleia: “O revólver já não suporta  silêncio das balas.” Dora de Assis, com o equilíbrio  íntimo dos poemas, já não suporta o silêncio das palavras.