O Hospital Português do Recife, no tempo da Cólera Morbus - 1855

Leonardo Dantas Silva
Escritor e historiador

Publicação: 25/06/2020 03:00

Escrevendo no início do século vinte, A.J. Barbosa Vianna, recorda que a epidemia da Cólera Morbus, foi por duas vezes registrada no Recife (1856 e 1863), inicialmente originária da Europa através de imigrantes portugueses chegados da cidade do Porto na Barca Defensora ao porto de Belém do Pará.

A comoção era tal que, em um só dia, foram sepultados 133 cadáveres no cemitério público de Santo Amaro. Em maio de 1856, o número de óbitos já alcançava 3.338, para uma população de 60.000 habitantes no Recife; estimando-se que, no restante da província, as vítimas da cólera somavam 37.579 mortos oficiais.

Segundo testemunha da época, “a epidemia em seu furor não poupou quase habitante algum desta cidade. Viam-se fechadas as lojas de ruas e distritos inteiros. Os sinos não deixavam de dobrar anunciando ao povo aterrado o falecimento ou o estado mórbido dos habitantes. Os médicos, exaustos de forças, não chegavam para os doentes. De noite, por todas as ruas se encontravam ricos e pobres: transluzia em todos os semblantes a incerteza do futuro e o horror do presente”.

Visando combater a cólera morbus, o médico José D’Almeida Soares Lima Bastos, então presidente do Gabinete Português de Leitura, reuniu membros da colônia e lançou às bases para criação do Hospital Português de Beneficência, no que foi apoiado por 141 subscritores que, no dia 9 de setembro de 1855, aprovaram o Regulamento Provisório e elegeram a mesa regedora, da qual constava dois médicos do Recife: José Joaquim de Moraes Sarmento e Augusto Monteiro Carneiro Monteiro da Silva Santos.

Simpático à ideia o Diario de Pernambuco conclamava “às senhoras portuguesas para que dessem roupas de cama e travesseiros para o novo hospital” (DP 28.agosto.1855).

Numa casa alugada, “localizada ao norte do Corredor do Bispo, no lugar denominado de Campo Verde”, foi instalado o Hospital Provisório “inicialmente com 62 doentes dos quais 27 vieram a óbito”.

Do Corredor do Bispo, o hospital foi transferido, em 1857, para o Sítio do Cajueiro, propriedade então adquirida pela Colônia Portuguesa, na Passagem da Madalena, onde no correr de muitos anos celebrou-se a festa anual, a Festa do Cajueiro, afamada pelas tradições mundanas do Recife; em 1884 estimava-se que a ela compareceram 10 mil pessoas.

Por alvará datado de 2 de julho de 1856, visando externar o apoio da nação lusitana à Instituição, o Rei de Portugal, Dom Pedro V, coloca a nova instituição sob sua Real Proteção; honraria confirmada em 1862; acrescida, por Alvará de 7 de novembro de 1907, com o título de REAL pelo rei D. Carlos I.

Por essa época, a fim de suprir a falta de mão de obra escrava, tornou-se necessária a imigração portuguesa, originária muito em particular das ilhas do Atlântico [Madeira, Açores e Cabo Verde] e, em menor escala, do Norte de Portugal. Com ela surgiu um novo tipo de atividade, a dos contratadores de imigrantes que, mediante o adiantamento de 100$ para cada adulto embarcado, recebiam na chegada do navio ao Brasil, da parte dos proprietários rurais contratadores, a importância de 120$ por cada trabalhador. O contrato de locação de serviços era feito por um prazo nunca inferior a quatro anos, com base na lei de 11 de outubro de 1837, conforme noticia o Diario de Pernambuco em sua edição de 14 de novembro de 1844.

Para esses portugueses foi criada  de forma pioneira a primeira Beneficência Portuguesa do Brasil, paralela ao funcionamento do Hospital, cujo provedor, em seu Relatório de 1877, recomendava:

Que todos os membros procurassem convencer todos os portugueses estabelecidos nesta cidade da conveniência e salutar de inscreverem os seus caixeiros... como sócios do hospital, também de irem fomentando nas associações que pertençam a ideia não menos conveniente, da fusão de todas elas nas duas mais úteis e necessárias, o Hospital Português e o Gabinete Português de Leitura”.

Assim surgiu, dentro da Comunidade Portuguesa do Recife, um sistema pioneiro de Previdência Privada ainda em atividade nos nossos dias.