A Notícia Toutatis

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicação: 07/08/2020 03:00

Esse asteróide, do tipo classificado como NEO (near earth object), esteve no ano de 2004 em sua trajetória mais próxima do Planeta Terra. A cada quatro anos, seu período orbital o faz aproximar-se de todos nós, colocando cada vez mais nossa existência em risco. Um dia ele poderá extinguir a humanidade se sua rota for de colisão.

No Brasil, a cada quatro anos temos eleições, alternadamente e sem concomitância, nas esferas do Executivo e Legislativo federal e estadual, e, no Executivo e Legislativo municipal. Esse bólido orbital eleitoral que nos impõe, no mínimo, observação com cautela, já que todos obrigados a legitimar uma eventual catástrofe com o voto obrigatório, está sempre rondando o dia a dia de nossa sociedade, quase que paralisando nosso discernimento pois suas rotas orbitais costumam dirigir nossas orientações.

O fenômeno dos últimos dois anos atrás não conseguiu reorganizar nosso pacto social, ao contrário, parece ter acelerado partículas multiformes, gerando inúmeros outros pequenos asteróides de pequena intensidade, mas de uma aceleração inimaginável e que, atrelados a outros pequenos bólidos das notícias falsas, foram capazes de influenciar, com sua propagação energética, a aproximação ou a distância da realidade.

A mais célebre dessas confusões de notícias e informações falsas data do Século “I”, “A.C.”, em Roma. A célebre porfia de Cícero com Catilina. Contam alguns intérpretes da história romana que Catilina não era tão mau assim e, o próprio Cícero, também não tão bom assim. Aliás, a este último se tributa a habilidade de ter conseguido deflagrar uma série de notícias falsas contra o pobre Catilina, e isto teria sido o fator determinante para a desgraça de seu opositor.

O fato é que, cada vez mais, estamos sendo manipulados, consciente ou inconscientemente, pela geração e propagação acelerada de dados e informações. Observamos aumentar a quantidade de pessoas com espaços noticiosos sem qualquer compromisso com o contraditório da informação, além dos perfis falsos que, através dos meios digitais, jogam pequenos petardos de falsas notícias que se avolumam, formando uma espécie de convicção, sem rebatimento com a realidade.

Nunca, uma sociedade teve tanta informação à mão e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, desinformação. Primeiro, é necessário entendermos que, informação, não é conhecimento e, portanto, ao dever de informar deveremos sempre termos como princípio o dever de conhecer, e isso, se faz com atitude crítica, somente possível com alguma educação política e social.

Por outro lado, em sociedades periféricas como a nossa, a atração pelo exagerado, pelo panfleto, pelo jocoso, pelo noticioso, faz com que esse mesmo caminho para algum conhecimento se perca no emaranhado psíquico de quem gosta mesmo é da manchete exagerada que, no processo acelerado de propagação, termina por fazer, no mosaico da verdade, uma espécie de mentira real, a que interessa paradoxalmente para todos.

Nesse meio do caminho temos o Judiciário que, por dever, deverá ter a árdua e difícil missão de discernir o que é falso e o que é verdadeiro, pois assim está estruturado nosso modelo de Estado. É o que temos e o que devemos pensar em sempre aperfeiçoar.

Causa-me uma certa apreensão deixarmos à mão de instituições comerciais digitais o poder de dizer o que seria falso ou verdadeiro, a partir de suas regras algorítmicas.

E assim, com a junção desses bólidos, as eleições e a propagação de notícias falsas, viveremos sempre a ameaça de uma “Terra Brasilis” arrasada, na qual toda reconstrução sempre termina dois anos depois, com novas eleições e propagação de mais notícias sem critério, bombardeando nossas consciências com inúmeros “Toutatis”.