Crimes que abalaram Pernambuco (2)

João Alberto Martins Sobral
Jornalista

Publicação: 06/08/2021 03:00

Demócrito de Souza Filho: Herdeiro do conceituado advogado criminalista Demócrito de Souza e de Maria Cristina Tasso de Souza e descendente de ilustres famílias pernambucanas, entrou na Faculdade de Direito do Recife em 1941. No dia 2 de março de 1945, no restaurante Lero-lero, no Centro do Recife, ele e Jorge Carneiro da Cunha rasgaram um retrato de Getúlio Vargas e distribuíram seus pedaços com os presentes. O incidente gerou reação imediata da polícia política e fez com que os estudantes se refugiassem na sede do Diario de Pernambuco, na Praça da Independência. No dia seguinte, os estudantes promoveram passeata contra a ditadura Vargas, que terminou com um comício. O primeiro orador foi o estudante Odilon Ribeiro Coutinho. Durante o discurso de Gilberto Freyre, na sacada do prédio, às 17h, a polícia de Pernambuco abriu fogo em várias direções. Demócrito, que estava ao lado, levou uma bala na testa, foi socorrido e levado para o Hospital do Pronto Socorro, onde morreu, às 20h50. Outro tiro matou o operário Manuel Elias dos Santos, conhecido por Manuel Carvoeiro, que estava entre o povo. Para evitar que o jornal publicasse a notícia das mortes, desencadeando um novo protesto contra o governo, policiais invadiram a redação e as páginas da edição do dia 4, que já estavam preparadas, foram destroçadas. Por se recusar a se submeter à censura prévia, o Diario deixou de circular no período de 4 de março a 8 de abril de 1945. O retorno foi garantido por uma sentença favorável à liberdade de imprensa, concedida pelo juiz Luiz Marinho. O fato gerou um inquérito que não levou à punição de nenhum integrante da polícia, com a alegação de  “crime de multidão”. A roupa que ele usava no dia do crime está até hoje preservada na Faculdade de Direito e, na Praça Adolfo Cirne, tem um busto dele com a inscrição “A Demócrito de Souza Filho, pelo transcurso de 10 anos de impunidade dos que lhe assassinaram e violaram a democracia no Brasil”. Alguns historiadores entendem que a morte de Demócrito de Souza Filho selou o fim da ditadura de Getúlio Vargas, depois de sua morte provocar manifestações por todo o país.

Padre Henrique: Auxiliar de Dom Helder Camara, o padre Antônio Henrique Pereira Neto tinha 28 anos, era poliglota, tinha estudado nos Estados Unidos e era professor nos Colégios Vera Cruz, Marista e Municipal do Recife. No dia 27 de maio de 1969, participou de duas reuniões com jovens e pais, no Parnamirim. No final, recusou reiteradamente carona e foi visto a última vez por uma aluna sua, na companhia de três homens em uma rural verde e branca. Eram do Comando de Caça aos Comunistas e da Polícia Civil, que o sequestraram. No dia seguinte, às 6 horas da manhã, seu corpo foi encontrado com sinais de tortura e tiros na cabeça, na grama, entre o meio fio e uma cerca de arame farpado na Cidade Universitária. O modus operandi, as circunstâncias, as lesões e a natureza do crime indicavam ter sofrido torturas e ter sido executado por mais de um agente. De acordo com documentos do Centro de Informações da Marinha, relatos de seus familiares e colegas de trabalho, ele era alvo de intenso monitoramento, inclusive por escutas telefônicas. Em depoimento à Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara, Orlando Lima da Cunha relatou que padre Henrique havia recebido uma carta com ameaças de morte, assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas, que metralhou o Juvenato Dom Vital, local onde o padre trabalhava. Na ação, o estudante Cândido Pinto foi baleado e ficou paraplégico. Por 45 anos foi tratada como crime comum pela polícia. Só em 2014, a Comissão Estadual da Memória e Verdade conseguiu provar que o crime teve motivação política, com o envolvimento de agentes do Estado e civis integrantes da extrema direita pernambucana, como consta em relatório elaborado e divulgado pela equipe que participou do trabalho. A comissão revelou nomes de investigadores da Polícia Civil, um promotor que era diretor de investigação da Segurança Pública do Estado e o universitário Rogério Matos do Nascimento, que foi preso e condenado. Depois de quatro anos e três meses na prisão, foi solto, depois de um segundo julgamento, que o inocentou por falta de provas.