O arco-íris

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicação: 13/08/2022 03:00

O arco-íris está à minha frente, completo, de ponta a ponta. Um círculo que vai da areia até o mangue, num espaço que não chega a um quilômetro. Nítido, bem nítido, cor por cor. O primeiro impulso é de fotografá-lo, o que faço, do alto do décimo quarto andar, só conseguindo captar sua metade. O escudo de vidro, e, ademais, a rede de proteção, não me permitem pegá-lo totalmente. Aspecto negativo de quem mora nas alturas e a respeita sumamente. Depois é que vou procurar os baldes de ouro, que deveriam estar nos seus dois pontos fixados na terra. Não os encontro. Bem verdade que não desceria até lá para pegar ouro algum. O receio do que me diziam em criança de que quem passar debaixo do arco-íris muda de sexo. Misericórdia.

Conversa para boi dormir. Ou para enganar criança. As duas hipóteses são válidas. Nem o balde de ouro, nem a mudança de sexo. A primeira, repito, não vi, apesar de ter buscado encontrá-lo, confesso. A segunda, porque um cidadão passava calmamente pelas areias da praia bem embaixo do arco-íris e nada aconteceu. A calça não se tornou saia, nem o caminhado ganhou um rebolado. Fosse verdade teria saído dando gritos de espanto, sendo notícia de toda a imprensa, espantando todos que nas proximidades estavam. A calma de seus passos não alterou-se.  

Tudo faz parte das verdades não verdadeiras que nos enchia o ouvido, a começar pelo velho senhor de barba e cabelo brancos que ficava nas nuvens a nos apreciar, lá de cima. O catecismo o denominava de Deus. Onde se equilibrava nas nuvens, não se sabia. Mas, o desenho o mostrava nelas sentado e a gente acreditava, ia a Igreja, dava a bênçoa ao padre, beijando-lhe a mão. Arrolo o homem do que roubava o fígado das crianças, mamãe não deixando a gente ficar na calçada, sem se falar no lobisomem que nos causava medo.

O arco-íris se foi. Ficou rastro de decepção, a transformar em confete o que nos contavam. Aliás, foi a última, porque, enfim, aos setenta e dois anos, vi um arco-íris completo, de ponta a ponta, bem próximo, sem os potes de ouro. Acho que foi proposital a aparição, esperando apenas eu fotografá-lo. No fundo, a vaidade o fez se plantar a minha frente para a foto. Depois, meta alcançada, encantou-se, indo mostrar seu charme em outras plagas. Deus o leve.