ELEIÇÕES 2018 » Quando as fake news predominam Doutor em ciência política destaca que a Justiça Eleitoral perdeu a "guerra" para as notícias falsas, que interferem diretamente no processo eleitoral

Aline Moura
aline.moura1@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 18/10/2018 03:00

Um dado chama atenção em meio a tantos textos e fotografias recebidos em grupos de WhatsApp, que têm favorecido a transmissão de mentiras no período mais importante da democracia, a eleição da Presidência da República. Apenas 8% das imagens recebidas no ambiente visto como “terra de ninguém” são verdadeiras. O levantamento surgiu a partir de análise em 347 grupos, nos quais as imagens predominantes eram fotos-montagens e mensagens falsas (leia mais abaixo). Ou seja, qualquer um mais desavisado corre o risco de decidir o futuro da política econômica e social do país se estiver baseado apenas no que recebe em mensagens secretas pelo aplicativo.

As notícias falsas comandam as eleições, bem aos olhos da Justiça Eleitoral. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, por telefone, o professor e pesquisador em comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina, Nilson Lage, acredita que a única forma de permitir um resultado eleitoral mais justo no Brasil é a Justiça Eleitoral bloqueando o WhatsApp durante a reta final da campanha. No passado, o bloqueio do aplicativo foi determinado no Brasil pela Justiça de São Paulo por 48 horas. Nilson Lage é jornalista, mestre em comunicação, doutor em linguística e filosofia.

“A saída é suspender o WhatsApp durante a campanha, mas a Justiça acredita num estado repressivo e está atemorizada. Acabou de absolver o Ustra de um episódio de tortura. A Justiça é um poder desarmado e muito frágil. Em todas as épocas, ela sempre corrobora com qualquer estado imposto pela força. A Justiça alemã apoiou o nazismo, a francesa também apoiou o império de Napoleão”, declarou Nilson Lage.

Segundo ele, as eleições dos Estados Unidos, o país mais poderoso do planeta, foi moldada pelas fake news. A Justiça Eleitoral brasileira viu e não tomou as devidas providências. “O processo está sendo feito com amplo uso da tecnologia. Ampliaram isso com robôs. Começou na Ucrânia esse processo que chamam de ‘revoluções laranjas’, depois veio para a América Latina. No Brasil, o volume de fake é impressionante. O antecedente disso foi com Donald Trump, e as empresas são as mesmas e nada foi, efetivamente, planejado e posto em prática”.

Ele lembrou que, em tese, como disse o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, um resultado produzido por mentiras pode ser anulado. “Mas como vai conseguir provar isso?”, questiona.

Indagado se tinha uma fake news que considerava como a mais grave na campanha, ele respondeu: “A grande fake news é transferir a questão política para a questão de moral e de costumes. A luta política é uma luta de classes, de questão econômica, de sobrevivência das pessoas. Transferir isso para questões de natureza moral é um desvio sério”.

Nilson Lage, inclusive, é um dos críticos do papel da mídia nos últimos tempos. Nesse caso, ele faz a ressalva de que, outras regiões do país, como a Sudeste, o eixo Rio-São Paulo gera uma onda de informações, com agências de notícias, capazes de levar outras regiões a perder seu próprio discurso de comunicação e cultural. “Cada região do país é diferente da outra. Você sai da Bahia para Pernambuco e parece outro país, mas as regiões estão sendo comandadas pelo discurso de São Paulo”, declarou.

Formado em ciências sociais pela USP, com mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade Estadual de Campinas, o professor da Universidade Presbiteriana Maurício Fronzaglia fez uma análise crítica da Justiça Eleitoral por não estar preparada para os desafios eleitorais de 2018, mesmo depois de toda onda de radicalização das eleições de 2010 e 2014. Há quatro anos, lembrou ele, houve muitas informações falsas divulgadas. “Todo o sistema de Justiça, inclusive o Supremo Tribunal Federal, não se colocou à altura do desafio que estamos enfrentando. Está mais preocupada com seus privilégios. Boa parte deles ali estão, digamos, tentando conservar seus privilégios numa eventual Reforma da Previdência e usando seus cargos, uma falta de espírito republicano. A Justiça não é para ser uma instituição partidária, política e ideológica. Era previsível que essa campanha seria violenta, inundada de fake news e a Justiça pouco se preparou: não previu uma regulamentação que pudesse ser preventiva e punitiva nos casos de mensagens pelo WhatsApp”.

Uma lupa no WhatsApp
  • 347 grupos analisados
  • 18 mil usuários
  • 846 mil mensagens
  • Período: 16/09 e 7/10
  • Das 50 imagens mais compartilhadas:
    - Apenas quatro (8%) foram consideradas verdadeiras