O incansável lutador da justiça e da democracia Fernando Coelho morreu ontem em João Pessoa, após dedicar parte dos seus 86 anos à cidadania

Publicação: 24/04/2019 03:00

Defensor dos direitos humanos, o advogado e ex-deputado federal Fernando de Vasconcelos Coelho, 86 anos, morreu ontem em sua terra natal, a Paraíba. Ele nasceu no estado vizinho, mas, conforme dizia, foi adotante e adotado por Pernambuco. Em especial, pelo Recife. Aqui, Fernando exerceu os cargos públicos que lhe deram dimensão nacional. Onde quer que estivesse, a política, tida como embate de ideias e projetos, era o caminho a ser seguido por ele. E o fim, afirmava, teria sentido se fosse em favor da cidadania. O ex-deputado será sepultado hoje, às 10h, em João Pessoa.

Fernando era um autêntico. Autêntico do MDB, o Movimento Democrático Brasileiro, partido que ajudou a fundar em 1966, do qual foi vice-presidente nacional e integrante do grupo que lutou contra o autoritarismo e as perseguições dos governos militares (1964-1985). Em entrevista ao Diario, dias antes das eleições presidenciais do ano passado, ele estava apreensivo com os debates centrados em valores morais e não em questões sociais e econômicas. Centrar o debate nos valores era, a seu ver, uma cortina para esconder a realidade vivida na ditadura, a exemplo de assassinatos de militantes políticos, e com fortes reflexos na atualidade.

Entre as tarefas assumidas por ele, o comando da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara foi a que mais repercutiu nos últimos anos de sua vida. Fernando esteve à frente da equipe que investigou por cerca de cinco anos as violações dos direitos humanos praticadas pelo estado contra os cidadãos. As investigações, de 2012 a 2017, incluíram fatos entre 1946 e 1988. Os documentos colhidos esclareceram mortes e torturas de gente como padre Antônio Henrique, David Capistrano e Manoel Lisboa. Para o advogado, a falta de garantias e segurança marcou os anos de chumbo. “Só sabe realmente o que era aquele tempo quem viveu”, disse.

Fernando, ao enveredar pelo trabalho da comissão, rememorou a própria história. Fatos de uma época em que fazer oposição significava a rotulação de comunista. Vivia-se a Guerra Fria, a eminência de um conflito armado entre EUA e União Soviética. Sob esse cenário, o advogado se elegeu duas vezes deputado federal. Conquistou mandatos em 1974 e 1978. Com a reeleição garantida, abriu mão da disputa proporcional para compor a chapa majoritária ao governo do estado, encabeçada por Marcos Freire, de quem era amigo desde os tempos de faculdade. Perderam, por menos de cem mil votos, para Roberto Magalhães, do PDS, em 1982.

As votações para os dois mandatos na Câmara foram consequências dos cargos exercidos por Fernando nos governos de Miguel Arraes, à frente da Prefeitura do Recife e do governo do estado. Em um dos mandatos, o advogado apresentou o projeto de lei que elevou Olinda à categoria de monumento nacional, abrindo caminho para a cidade ganhar o  título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, em 1982, da Unesco.

A experiência de Fernando, casado com Isolda van der Linden e pai de três filhos, ultrapassou a política partidária. Na juventude foi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Como advogado, presidiu a seção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ensinou nas universidades Católica de Pernambuco (Unicap) e Federal de Pernambuco (UFPE). E transformou parte do que aprendeu e viveu em livros, a exemplo de A OAB e o regime militar, disponível para quem deseja conhecer a história.