Símbolo de luta, Dona Elzita morre aos 105 anos Mãe do desaparecido Fernando Santa Cruz foi incansável em denunciar a repressão do regime de 1964

Publicação: 26/06/2019 03:00

Pernambuco perdeu ontem um de seus maiores símbolos na luta pela democracia. Morreu, aos 105 anos, Elzita Santa Cruz, mãe do desaparecido político Fernando Augusto Santa Cruz. O velório foi realizado na Câmara Municipal de Olinda e o corpo será cremado hoje às 10h, no Cemitério Morada da Paz, em cerimônia reservada.

Incansável na busca por Fernando - que desapareceu no carnaval de 1974, aos 26 anos, quando ia a um encontro, no Rio, da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), organização esquerdista de oposição ao regime -, Elzita passou anos peregrinando por quartéis, prisões e outros órgãos do regime militar à procura de respostas. Também manteve constante contato com políticos e autoridades do regime, além da Cruz Vermelha, Anistia Internacional e Organização dos Estados Americanos.

Nascida em Água Preta, Elzita perdeu a lucidez há cerca de três anos. Até então fazia questão de votar nas eleições. Ela vivia em Olinda, com a filha Eleonora.

Além de Fernando, outros dois dos dez filhos de Dona Zita, como era conhecida, foram perseguidos pelo regime de 1964. Em 1969, Marcelo Santa Cruz foi atingido pelo decreto-lei 477, que determinava que estudantes e professores contrários à ditadura fossem expulsos das faculdades e proibidos de frequentar cursos universitários por três anos. Ele estudava na Faculdade de Direito do Recife. Marcelo se exilou em Portugal e na Bélgica. De volta ao país, se tornou advogado e foi vereador de Olinda. Em 1971, Rosalina Santa Cruz (atual professora universitária) foi presa e torturada no Rio.   

“Exemplo de vida”
Em comunicado emitido ontem, Marcelo Santa Cruz informou o falecimento da mãe e ressaltou seu legado. “Minha querida mãe deixou um exemplo de vida aos 105 anos. Dizia Dom Helder Camara que para ter uma vida longa era preciso ter uma boa causa para lutar”, afirmou. Elzita era avó do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. O Conselho Federal da Ordem emitiu nota oficial lembrando que ela era “exemplo de fibra e coragem”

O governador Paulo Câmara se pronunciou. “Dona Elzita foi incansável na busca por direitos humanos e justiça para seu filho Fernando e outras vítimas da ditadura”, destacou. “O descanso de dona Elzita Santa Cruz, aos 105 anos, nos traz muita tristeza, mas nos dá a oportunidade para refletir sobre a sua história de amor e resistência em busca do seu filho Fernando, desaparecido político e vítima da Ditadura Militar no Brasil”, escreveu o prefeito do Recife, Geraldo Julio. “Ela deixa um legado marcado pela perseverança da democracia e contra as injustiças em defesa da paz”, disse o prefeito de Olinda, Professor Lupércio.

A jornalista Silvia Bessa, do Diario, recentemente concluiu um perfil biográfico sobre Elzita, a convite do Instituto Wladimir Herzog, para o livro Heroínas desta história, que será publicado este ano. “Foi uma honra para mim escrever sobre esta mulher forte e um incrível exemplo de coragem”, disse.