Decisão de Toffoli na mira da PGR Dodge estuda recorrer da medida do presidente do STF, Dias Toffoli, que ameaça paralisar inquéritos e ações penais que tenham dados relacionados ao Coaf

Publicação: 18/07/2019 03:00

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, avalia recorrer da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que paralisa inquéritos e ações penais que tenham usado dados pormenorizados de órgãos de controle - como Coaf, Receita e Banco Central - sem autorização judicial prévia. A PGR (Procuradoria-Geral da República) tem discutido estratégias para o possível recurso em grupos de trabalho de procuradores e pediu aos colegas um levantamento de casos potencialmente afetados. Um dos dados buscados pelo órgão é quantos processos com réus presos poderão ser suspensos.

A decisão de Toffoli, assinada na segunda-feira e divulgada na terça-feira, atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Embora a determinação do presidente do STF seja geral, para suspender casos em todas as instâncias da Justiça pelo país, ela também beneficia Flávio.

O senador, filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de desviar parte dos salários de funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa fluminense, no caso que envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz.

A apuração partiu de um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e, posteriormente, obteve quebra de sigilo por ordem judicial. Para a defesa, o Ministério Público usou o Coaf como “atalho” para burlar o controle judicial no início da investigação.

Ontem, as forças-tarefas das operações Lava-Jato e Greenfield em Curitiba, Rio, São Paulo e Brasília divulgaram nota externando “grande preocupação” com a decisão de Toffoli e pedindo urgência na análise do tema pelo plenário do Supremo.

“A referida decisão contraria recomendações internacionais de conferir maior amplitude à ação das unidades de inteligência financeira, como o Coaf, inclusive em sua interação com os órgãos públicos para prevenir e reprimir a lavagem de dinheiro”, diz o texto.

“As forças-tarefas, ao longo dos últimos cinco anos, receberam inúmeras informações sobre crimes da Receita, do Coaf e do Banco Central, inclusive a partir da iniciativa dos órgãos quando se depararam com indícios de atividade criminosa. A base para o compartilhamento na última situação é o dever de autoridades de comunicar atividade criminosa identificada”, afirmaram os procuradores.

Segundo eles, embora seja inviável identificar imediatamente quantos dos milhares de procedimentos e processos em curso podem ser impactados, a decisão de Toffoli trouxe risco à segurança jurídica do trabalho deles.

O pedido de Flávio ao STF pegou carona em um processo (um recurso extraordinário) que já tramitava na corte e que tem repercussão geral, ou seja, impacto no desfecho de todos os processos com controvérsia semelhante.

Nesse processo discute-se a possibilidade de órgãos de controle compartilharem com o Ministério Público, para fins penais, informações de contribuintes. O debate dessa questão está marcado para ser realizado no plenário em 21 de novembro.

Para a defesa de Flávio, todos os casos que têm essa controvérsia deveriam estar suspensos até a decisão final do Supremo sobre o assunto.

Toffoli concordou com o argumento, determinando que, até a deliberação do plenário, todos os inquéritos e ações penais que tenham usado informações dos órgãos de controle sem autorização judicial prévia fiquem paralisados. A justificativa do ministro é evitar que, quando o tribunal deliberar sobre o tema, processos em andamento venham a ser anulados.

Para o presidente do STF, só é possível o compartilhamento, sem autorização judicial, de informações gerais de um cidadão, como nome e valor global movimentado em determinado período de tempo. Informações adicionais, que identifiquem origem e destino do dinheiro, requerem aval da Justiça. (Da Folhapress)

Reflexos

Entenda as consequências da decisão de Toffoli


O que Toffoli decidiu?
Suspendeu, a nível nacional, investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para tal – ainda que o inquérito tenha outros elementos que o embasem. A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle – como Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Receita Federal e Banco Central. A determinação tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem de dinheiro, como os da Lava-Jato, aos de tráfico de drogas.

O que seriam “dados detalhados”?
O STF já havia autorizado o acesso a operações bancárias sem autorização judicial, mas, no entendimento de Toffoli, o plenário da corte decidiu que as informações deveriam se limitar à identificação dos titulares e do valor movimentado. Se envolvesse mais que isso, portanto, exigiria decisão da Justiça.

Até quando as investigações estão suspensas?
Até que o plenário do STF decida se é legal que dados bancários e fiscais obtidos pela Receita Federal e órgãos de controle sejam enviados ao Ministério Público para fins penais sem necessidade de autorização da Justiça.

O que isso tem a ver com Flávio Bolsonaro?
A decisão de Toffoli, embora abranja outros casos, deu-se no âmbito de uma ação da defesa do senador. O ministro decidiu pela paralisação da apuração que está sendo realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e que envolve Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Isso porque a investigação começou com o compartilhamento de informações do Coaf e só depois a Justiça fluminense autorizou a quebra de sigilo bancário.

Quais os argumentos de Flávio?
A defesa do senador alegou ao STF que, por solicitação do Ministério Público, o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos. A medida foi vista como um “atalho” à necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário.

Qual o impacto da decisão na Lava-Jato?
O coordenador da Lava-Jato no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, Eduardo El Hage, disse que a decisão pode suspender “praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil”. Contudo, outros especialistas em direito veem essa afirmação com ressalvas. A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle. Não é possível calcular de imediato o impacto porque será preciso que as autoridades analisem caso a caso. Se a defesa de um investigado entender que houve compartilhamento dos dados de seu cliente fora dos parâmetros descritos por Toffoli, poderá requerer a suspensão. É comum na Lava-Jato do Paraná, por exemplo, que os relatórios do Coaf sejam anexados após a ordem judicial de quebra de sigilo, o que deixaria os processos de fora do escopo da decisão de Toffoli.

O que está sendo investigado sobre Flávio?
O Ministério Público apura a “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele exercia o mandato de deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Nesse tipo de esquema, servidores devem devolver parte do salário para os deputados. O MP-RJ ainda não identificou o possível destino do dinheiro, apenas levantou suspeitas de que ele era repassado para as lideranças do gabinete.

Qual a origem dessa investigação?
A apuração começou há mais de um ano e meio, com o envio ao MP-RJ de um relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj. Além do volume movimentado na conta de Queiroz, que era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo, em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia.

Quais os possíveis crimes apontados pelo MP-RJ?
Peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há três núcleos investigados, segundo a Promotoria: um que nomeava os assessores, outro que recolhia e distribuía parte dos salários dos servidores e o terceiro, composto por aqueles que aceitavam o compromisso de entregar parte de suas remunerações.

Como o Coaf atua?

É um órgão de inteligência, subordinado ao Ministério da Economia, que atua contra a lavagem de dinheiro. Ele recebe informações de instituições financeiras sobre operações consideradas atípicas, como transações de quantias significativas.