Livre e com a voz afiada nos ataques Lula deixa prisão após 580 dias e, mesmo afirmando não haver "ódio", reitera críticas à Lava-Jato, setores da Justiça e a Jair Bolsonaro

Publicação: 09/11/2019 03:00

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 74, foi solto na tarde desta sexta-feira e, em meio aos planos de retomada da agenda partidária, adotou um discurso com fortes ataques à Lava-Jato e a setores do Judiciário. A saída do petista da sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba, ocorreu um dia após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que, por 6 votos a 5, alterou a jurisprudência que desde 2016 permitia a prisão logo após a segunda instância, antes de esgotadas as possibilidades de recurso.

Lula deixou a cadeia às 17h40, foi recebido na rua por centenas de apoiadores e beijou a namorada, a socióloga Rosangela da Silva, a Janja. Em discurso de 16 minutos, falou em “safadeza” e “canalhice” do que chamou de “lado podre” do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Justiça e da Receita Federal, Setores que, segundo ele, trabalharam para criminalizar a esquerda, o PT e o próprio Lula.

Disse que saía da prisão “sem ódio”, mas atacou o presidente Jair Bolsonaro (PSL), o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. “Eu saio daqui sem ódio. Aos 74 anos meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país”, disse, diante dos militantes presentes. Um dos momentos mais aplaudidos foi quando Lula beijou sua namorada.

“As portas do Brasil estarão abertas para que eu possa percorrer este país”, disse o petista, que criticou a situação do desemprego do país e se referiu a Bolsonaro como mentiroso em redes sociais. “Eu não tenho mágoa dos policiais federais, eu não tenho mágoa dos carcereiros, eu não tenho mágoa de ninguém”, disse. “Esse país pode ser muito melhor na hora que ele tiver um governo que não minta tanto pelo Twitter como Bolsonaro mente.”

Ao cumprimentar o petista Fernando Haddad, candidato a presidente derrotado em 2018, Lula o chamou de “quase nosso presidente, se não fosse roubado” e também reverenciou a militância.

“Vocês não têm dimensão do significado de eu estar aqui junto com vocês. Em minha vida inteira estive conversando com o povo brasileiro, eu não pensei que no dia de hoje eu poderia estar aqui conversando com homens e mulheres que durante 580 dias gritaram ‘bom dia, Lula’, gritaram ‘boa tarde, Lula’, gritaram ‘boa noite, Lula’, não importa que estivesse chovendo, não importa que estivesse 40 graus, não importa que estivesse zero grau”, disse. Neste sábado, deverá fazer novo discurso a militantes ao chegar a São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

A decisão do STF, que também beneficiou o ex-ministro José Dirceu (PT) e o ex-governador tucano de Minas Eduardo Azeredo, foi celebrada pela esquerda e criticada por grupos de direita, que já organizaram atos de protesto.

A decisão do Supremo foi a principal derrota até hoje da Lava-Jato, operação com mais de cinco anos de vida e que já vinha enfraquecida principalmente após a divulgação de mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e colocaram em xeque a conduta de procuradores da força-tarefa e do ex-juiz Moro.

Pelas regras atuais, Lula ainda é considerado ficha-suja, devido a ao menos uma condenação em segunda instância – regra de corte da Lei da Ficha Limpa.

Ele aposta no julgamento do Supremo sobre a suspeição de Moro, que se tornou ministro de Bolsonaro e é acusado pelo petista de parcialidade. Eventual decisão do STF favorável ao petista poderia resultar na anulação de sua condenação e abrir margem para ele se tornar elegível novamente em 2020.

Mesmo solto, porém, Lula continua em situação política e jurídica frágeis. O petista ainda não foi considerado inocente pela Justiça – segue condenado, e acumula um total de nove ações penais para responder. A possibilidade de um retorno à cadeia é concreta. (Da Folhapress)

Saiba mais
  • 580 dias - período que Lula ficou na prisão
  • 16h15 - a soltura de Lula foi determinada pelo juiz federal Danilo Pereira Junior
  • 17h40 - o petista deixou a sede da PF
  • 5 mil presos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), podem ser beneficiados como Lula
  • 800 mil presos o país possui
Tempo na prisão
  • Lula foi o primeiro ex-presidente do Brasil condenado por crime comum
  • Ele ficou preso em uma sala especial de 15 metros quadrados no 4º andar do prédio da PF em Curitiba
  • O local tem cama, mesa e banheiro de uso pessoal
  • A Justiça autorizou que o ex-presidente tivesse uma esteira ergométrica na sala.
  • O ex-presidente tinha os requisitos necessários para progredir para o regime semiaberto
  • A progressão é permitida a quem já cumpriu 1/6 da pena – no caso de Lula, a marca foi atingida em 29 de setembro deste ano e, segundo o Ministério Público, também leva em conta outros aspectos, como bom comportamento
  • A defesa de Lula, porém, disse ser contra o ex-presidente passar para o regime semiaberto, porque espera a absolvição
  • No semiaberto, o condenado tem direito a deixar a prisão durante o dia para trabalhar
  • A progressão, no entanto, ainda não tinha sido analisada pela juíza
  • Durante o período na prisão, Lula deixou a sede da PF em duas ocasiões
  • Para ir ao interrogatório no caso do sítio de Atibaia, em novembro de 2018
  • Na segunda vez, ao velório do neto Arthur Lula da Silva, de 7 anos, em São Bernardo do Campo (SP), em março deste ano.
Justiça

Tríplex do Guarujá (SP)

Em abril deste ano, foi condenado a 8 anos, 10 meses e 20 dias no Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerado a terceira instância, sob acusação de ter recebido propina da construtora OAS para favorecer a empresa em contratos com a Petrobras

Sítio de Atibaia (SP)
Em fevereiro deste ano, o ex-presidente também foi condenado em primeira instância pela juíza substituta Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro por ter recebido propina por meio da reforma de um sítio

7 outros processos Lula ainda responde, além dos dois casos nos quais já foi condenado