"Tudo é feito com sintonia fina, conversa. A política é feita assim"

Publicação: 22/02/2020 03:00

O  vice-presidente Hamilton Mourão não se altera com as crises políticas e as dificuldades do governo federal. O general de quatro estrelas procura manter a compostura que o cargo recomenda, evitando em entrar em discussões e elevando a temperatura política. Em entrevista ao Correio Brasiliense/Diario de Pernambuco, o ocupante do segundo cargo da República aposta no diálogo institucional para superar os entraves às reformas necessárias e avançar nas grandes questões nacionais. Nesse contexto, o vice-presidente considera que o diálogo mais difícil se situa na Câmara dos Deputados, em razão da diversidade de pensamentos, até mesmo pelo número muito maior de parlamentares. Mas ele acredita que há uma vontade conciliatória entre os poderes. “Não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Tem que conversar com um grande número de pessoas. Mas ela vem se dando”, comentou. Leia a seguir trechos da entrevista concedida no gabinete da Vice-Presidência, no Palácio do Planalto.

Entrevista Hamilton - Mourão, Vice-presidente do Brasil

 
Os governadores reclamam que foram excluídos do Conselho da Amazônia. Eles têm motivo para se queixar?
O Conselho é um organismo para coordenar as políticas públicas estabelecidas pelo governo federal, e com uma finalidade: a de fazer acontecer. Os governadores, muito pelo contrário, estão dentro do Conselho. Não fisicamente, mas estão com suas ideias, com suas demandas, com suas prioridades. Eu estou indo pessoalmente a cada estado. Já estive em Roraima e no Amazonas. Agora, logo depois do carnaval, eu vou ao Pará, ao Amapá e ao Maranhão, e, depois, a última perna é Mato Grosso, Rondônia e Acre. Isso tudo com uma única finalidade: me encontrar com o governador. Apresentar a ele quais são as ideias do Conselho e como é que o Conselho vai funcionar, além de ouvir as demandas, ouvir a visão do estado em relação àquilo que devem ser as prioridades.

Tem de haver mineração em terra indígena?
Está previsto na Constituição, desde que haja lei. É uma questão de lei. Nós não estamos fugindo um segundo da Constituição. O presidente, então, propôs um projeto que está lá no Congresso e vai levar a todo tipo de discussão, como ocorre dentro do Congresso, que é onde estão os representantes, (onde estão) as mais diversas formas de pensamento da nossa população. Eles vão debater esse assunto até chegar a algo que seja bom para todos.

Mas o diálogo do governo com o Congresso está bom?
Não é porque o governo coloca um projeto de lei dentro do Congresso que ele tem que sair da outra ponta igual. Se fosse assim, então não precisava do Congresso. O governo, ao aportar um projeto de lei para o Congresso, está lançando as bases para discussão de algo que não vem sendo discutido. No caso específico, da exploração econômica das terras indígenas. Então, é aquela história: você tem um grande número de indígenas que desejam ter um rendimento econômico fruto do trabalho que eles têm nas suas terras. Hoje, não é permitido que isso aconteça. Então tem que ser discutido o assunto.

É na Câmara onde o governo tem mais dificuldade?
A Câmara, naturalmente, tem que ter mais dificuldade. Em primeiro lugar porque a Câmara tem 513 cabeças, cada uma pensando da sua maneira, dividida em 28 partidos. Então, ela é multifacetada. Em qualquer hipótese é difícil. Não é simples essa articulação, esse diálogo. Tem que trabalhar com um grande número de pessoas diferentes, buscar convencê-las. Então, não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Mas ela vem se dando. O exemplo mais claro que eu coloco foi a Câmara ter aprovado a reforma da Previdência. A Câmara está discutindo a reforma tributária, a Câmara tem o seu próprio projeto de reforma administrativa. Então, eu vejo que é um Congresso reformista. Ele está indo ao encontro daquilo que são as principais ideias do governo do presidente Bolsonaro. Mas tudo necessita de sintonia fina, conversa. A política é feita dessa forma.

Em quais temas o governo espera avançar, em ano eleitoral?
Há cinco aspectos que têm que avançar neste ano. São as três PECs que mandamos no fim do ano passado: a Emergencial, a dos Fundos e a do Pacto Federativo. E, obviamente, a questão tributária e administrativa. Elas têm que avançar.

O que é mais difícil?
A questão tributária é mais difícil porque os três entes da Federação têm interesse. Nós temos mais de 5,5 mil municípios. Então, esse tema vai concentrar os debates mais árduos.

O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse que cometeu erros nessa articulação com o Congresso. Por que o governo não consegue deslanchar essa relação?
A reclamação sempre vai acontecer. Faz parte do relacionamento entre pessoas, principalmente em tempos de rede social, onde existem exacerbações sobre os mais diversos temas e quando as pessoas parecem que não procuram se conter no seu modo de se expressar. Então, acabam acontecendo algumas rusgas. O ministro Ramos fez a sua autocrítica porque pegou o bonde andando. Vamos lembrar que ele entrou no governo em julho, com vários acordos que já haviam sido feitos por aqueles que estavam representando o governo nessas negociações, como o ministro (da Cidadania) Onyx Lorenzoni, como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Então, o Ramos teve que ir se adaptando. Agora, neste ano, ele começa à cavaleiro da situação. Então, acho que terá mais condições de implementar um diálogo e uma relação mais afirmativa.

O senhor também se refere assim em relação ao ministro Braga Netto, que assumiu agora a Casa Civil. Haverá uma remodelagem nesse ministério?
A Casa Civil é o centro de governo; é responsável pela coordenação e controle dos ministérios, uma tarefa gigantesca. Então, eu acho que o presidente chamou o Braga Netto visualizando isso. A partir da semana que vem, passado o carnaval, ele (Braga Netto) verá como conduzirá essa tarefa de coordenação e controle, que ele sabe fazer. Vai depender mais ainda das pessoas com de ele se cercar.

Quando chega a reforma administrativa?
Não conversei com o presidente nos últimos dias porque estava no Amazonas, mas o que eu sei é que nossa proposta de reforma administrativa foi montada pela equipe do ministro (da Economia) Paulo Guedes, especificamente pelo Paulo Uebel (secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital). Eles andaram de ministério em ministério, de autarquia em autarquia, vieram aqui à vice-presidência, expuseram os pontos, perguntaram as críticas que nós tínhamos. É algo que está consolidado, bem montado. E a gente sabe que tem a proposta da Câmara, que também toca em vários assuntos pertinentes à reforma administrativa.

Há motivo de preocupação para os atuais servidores?
Não. Quem já entrou no serviço público não tem nada a temer dessa reforma administrativa.

E os benefícios das carreiras? Às vezes há as gratificações que os servidores ganham, até por uma complementação salarial...
Para os atuais não há essa visão. O principal que nós temos que entender é que o ingresso no serviço público não pode ser um carimbo de que você vai permanecer eternamente naquela situação, sem a necessidade de apresentar um rendimento que seja coerente com a responsabilidade que recebeu.

Ou seja, vai se exigir metas?
É mérito. A meritocracia. Eu venho de uma instituição onde a meritocracia é a chave. Então, você avança dentro da carreira. A carreira é um funil. Chegam lá na frente apenas aqueles cujos méritos os levaram até lá. (Do Correio Brasiliense)