Especialistas apontam fragilidade democrática Estudiosos revelam preocupação com suposta ameaça do ministro da Defesa Braga Netto e alertam que o país passa por uma "instabilidade institucional"

Luiz Calcagno
do Correio Braziliense

Publicação: 23/07/2021 03:00

Especialistas veem a notícia da ameaça direta à democracia feita pelo ministro da Defesa de Jair Bolsonaro, o general do Exército Walter Braga Netto, como um sintoma da fragilidade democrática do país. O militar negou, na manhã de ontem, por nota, que tenha avisado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que caso o Congresso não aprove o voto impresso, não haverá eleições em 2022. Mas, na mesma mensagem, defendeu a alteração do sistema eleitoral. Para estudiosos da Defesa e cientistas políticos, mesmo que o desmentido de Braga Netto seja verdadeiro, um golpe não está descartado.
 
Além disso, a simples notícia da ameaça direta da Defesa ao Congresso deveria ser suficiente para tornar insustentável a permanência do militar no cargo. É o que afirma o especialista em relações internacionais e ex-assessor da Assessoria de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Juliano da Silva Cortinhas. “Eu parto do pressuposto de que houve o episódio. Nós vivemos em um momento de testes constantes à demo, e parece que esse foi mais um”, opinou.
 
“E se nós tivéssemos uma declaração como essa, como repercutiria? O ministro da Defesa fez a declaração. O Lira, em vez de cobrar a demissão, resolveu dar um off para a imprensa. O que mostraria que ele é um chefe fraco. Se tivesse à altura do cargo, exigiria, sem divulgar o episódio, a demissão do ministro. O presidente pode demitir ministros quando bem entender. E ele (Lira) é fraco pois não defende a democracia, mas seus interesses e seu grupo. Acabamos de ter a recriação do ministério do Trabalho porque o Centrão exigiu, uma reforma, mas a demissão do ministro da Defesa também não ocorreu”, destacou.

Precedentes
Cortinhas lembra que já ocorreram demissões de ministros da Defesa por “declarações mal colocadas”. Em 4 de agosto de 2011, Jobim entregou a carta de demissão à então presidente da República Dilma Rousseff (PT), após a imprensa divulgar críticas que o ministro teria feito a Gleisi Hoffmann, então chefe da Casa Civil, e Ideli Salvatti, do extinto Ministério das Relações Institucionais. E, em 4 de novembro de 2004, o ministro José Viegas Filho pediu demissão ao então presidente Lula após o Exército divulgar uma nota de conteúdo político sem consultá-lo.
 
“E, ao contrário do que ocorreu, o atual ministro certamente não será demitido, pois nossa democracia está muito enfraquecida. Se estivéssemos com uma democracia bem construída, ele deveria ser demitido independente de a notícia ser verdadeira ou não. Isso não ocorre porque estamos reféns das Forças Armadas. O ministro da Defesa não poderia ser militar se a democracia fosse sólida. Um pré-requisito para a democracia é o controle civil sobre as Forças Armadas. Se o ministro é militar, a democracia é débil, e nesse cenário, não podemos esperar que haja a demissão do atual ministro”, criticou.

Instabilidade

De acordo com o cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Geraldo Tadeu, a suposta ameaça de Braga Netto à democracia revela “um clima de altíssima instabilidade institucional, política e até emocional no meio político”. “Uma notícia dessas, anos atrás, passaria facilmente como fake news. Mas, hoje, passa a ter um grau de plausibilidade bastante grande, para fazer com que as pessoas se mobilizem em torno disso. Isso mostra a degradação institucional que estamos vivendo”, disse.
 
Tadeu destaca que a retórica golpista bolsonarista é constante. “As manifestações de rua deles pedem fechamento do Congresso e são contra o STF, e o próprio Bolsonaro chama o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (Luiz Fux) de ‘imbecil’ e de ‘idiota’. Isso faz parte essencial do movimento bolsonarista”.

"Dilema"
Em um artigo publicado no jornal The New York Times, ontem, o cientista político Gaspard Estrada afirma que Bolsonaro estimula uma “ruptura institucional na segunda maior democracia do continente americano”.

O texto foi publicado em espanhol com o título "O dilema dos militares brasileiros: apoiar Bolsonaro ou a democracia".