O Zenit e a supremacia eslava

Publicação: 20/07/2014 03:00

Torcedor mostra banana para Roberto Carlos, em jogo do seu time, Anzhi, contra o Zenit (KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP)
Torcedor mostra banana para Roberto Carlos, em jogo do seu time, Anzhi, contra o Zenit
O racismo não é o único problema nas relações interétnicas na Rússia. Durante o período da União Soviética, o país esteve isolado do mundo por muito tempo e o stalinismo transformou o estado soviético em um projeto a serviço da supremacia eslava russa. Imigração era algo raro no país, o que reforçou o preconceito, em especial nas metrópoles Moscou e São Petersburgo. Por isso, a aversão não se restringe aos negros, mas sim a todos os não-eslavos, incluindo os próprios russos - do Cáucaso e do Norte da Ásia. No futebol, há um clube que encarna esse sentimento de supremacia eslava: o Zenit, de São Petersburgo. Curiosamente, é o time pelo qual torce o presidente russo, Vladimir Putin.

Até bem pouco tempo, a torcida do Zenit se orgulhava de um negro nunca ter vestido a camisa do clube. O treinador holandês Dick Advocaat, que comandou o clube na conquista de seu primeiro campeonato russo (2007) e da Copa da UEFA (2007/08), evitava indicar jogadores negros por saber a rejeição que havia não só por parte da torcida, mas também da sociedade petersburguense. A contratação do mulato Bruno Alves, em 2010, abalou um pouco o orgulho eslavo. Porém, o fato de o zagueiro não ser exatamente negro e, principalmente, por ser português (portanto, europeu), amenizava a situação.

Em 2011, o brasileiro Roberto Carlos foi alvo de manifestação racista no estádio do Zenit. Durante o aquecimento, quando defendia o Anzhi, o lateral esquerdo foi agredido verbalmente e teve mostrada uma banana. O clube não foi punido na ocasião.

Ao extremo
Contudo, em 2012, a situação ficou insustentável para a ala radical da torcida do Zenit. A contratação do brasileiro Hulk e do belga Witsel foi o estopim para um manifesto dos torcedores racistas e xenófobos. O grupo Nevsky Front, cujo nome homenageia Alexander Nevsky (herói russo que, antes mesmo de se tornar rei, comandou, em 1240 e 1241, batalhas épicas contra suecos e alemães, impedindo a invasão estrangeira ao país), declarou que o clube deveria explorar o mercado eslavo e, em último caso, contratar jogadores brancos da Europa Ocidental.

Em manifesto, o movimento denominado Landskrona afirmou que os negros estavam sendo “empurrados goela abaixo”. Os torcedores negavam racismo, alegando que estavam defendendo apenas a “tradição que reforça a identidade do clube”. O repúdio se estendia aos homossexuais, que, para eles, representam uma afronta aos “valores da sociedade de São Petersburgo.”

Racismo

Casos em gramados da Rússia

ROBERTO CARLOS
Em 2011, quando jogava pelo Anzhi da Rússia, o lateral esquerdo Roberto Carlos foi vítima de racismo. No primeiro episódio, em partida contra o Zenit, ele ficou revoltado, mas ainda permaneceu em campo. Porém, na segunda vez, em jogo contra o Krylia Sovetov, Roberto deixou o campo quando outra banana foi atirada em sua direção.

CRISTOPHER SAMBA
Durante partida entre Anzhi e Lokomotiv Moscou, em março de 2012, o zagueiro congolês Cristopher Samba teve de aguentar insultos racistas durante toda a partida. No fim do jogo, uma banana foi atirada em sua direção. Apesar dos ocorrido, Samba continuou no futebol russo e afirmou: “Nunca permitirei que a pequena comunidade de racistas me ofenda.” Hoje ele veste a camisa do Lokomotiv.

PETER ODEMWINGIE
Apesar de ser formado nas categorias de base do CSKA, o atacante Odemwingie não se sentia em casa quando vestiu a camisa do Lokomotiv Moscou em 2010. Segundo o atleta, sempre que ele tocava na bola era possível ouvir algum xingamento racista. Peter foi transferido para o West Bromwich, fato celebrado pela torcida do clube russo. Sua saída foi comemorada com uma polêmica. Além de ter escrito “Obrigado, West Brom”, ainda era possível ver o desenho de uma banana no meio da faixa.