RUMO AO OURO » Complexo de brasileiro Em qualquer competição em que está, a seleção brasileira de futebol, não importa o momento, é favorita ao título. Não vai ser diferente agora

Publicação: 04/08/2016 03:00

Micale tem a missão de levar o Brasil ao ouro olímpico (PEDRO MARTINS/AGIF/ESTADÃO )
Micale tem a missão de levar o Brasil ao ouro olímpico
Hoje a seleção masculina de futebol, que estreia nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro contra a África do Sul, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, às 16h, será a personagem principal deste caderno. A seleção e a torcida brasileira, que vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil vai decepcionar novamente!”. E, aqui, eu pergunto: não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?

Eis a verdade, amigos: desde o dia 8 de julho de 2014 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos alemães, na semifinal da última Copa, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação mundial que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor de cotovelo que nos ficou dos 7 a 1. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há dois anos, que, em poucos minutos, os germânicos arrancaram de nós a esperança do hexacampeonato em casa. Eu disse “arrancaram” como poderia dizer: “extraíram” de nós a chance do título como se fosse um dente. Em nossa casa, diante da nossa torcida. Sem anestesia.

E hoje, se negamos a seleção, não tenhamos dúvida: é ainda a vergonha que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: se o Brasil vence no Rio-2016, se consegue a inédita medalha de ouro olímpica! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 200 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.

Eis a verdade: eu acredito no brasileiro. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os fabulosos alemães, serem elevados ao posto dos jogadores mais cobiçados deste tempo. Jogadores adestrados, taticamente perfeitos, aplicados, que atacam, defendem. Efetivos, coletivos. E vejam! Os que possuem algum talento acima da média são logo comparados a nós, brasileiros. Os novos brasileiros. Novos brasileiros? Balela!

A pura, a santa verdade é a seguinte: qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: “De novo essa história?”

Explico: vivemos, sim, um novo complexo de vira-latas. Essa inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isso em todos os setores e, sobretudo, no futebol, após uma derrota marcante. Foi assim na véspera da Copa de 1958, ainda sentindo os efeitos da ressaca de 1950, quando fomos tratados a pontapés por Obdulio, como se vira-latas fôssemos. É assim agora, quando nos macula o pior dos nosso vexames futebolísticos.

Pois eu vos digo: o problema da seleção não é mais de futebol. Nem de técnica nem de tática. Absolutamente. Hoje, a esperança brota de quem faz do drible, graça. De quem deixou de ser estrela solitária. De quem, em sua doce imaturidade, acredita ter futebol para dar e vender. E tem! Basta que, definitivamente, esteja convencido disso. E ponha-se a correr em campo. Se isso acontecer, sul-africanos, dinamarqueses, iraquianos, japoneses, argentinos, alemães... Coitados! Precisarão de mais de dez, na linha, para segurar. E isso eles nunca vão ter.

Crônica
O complexo de vira-latas

O texto principal desta página é uma adaptação da crônica “Complexo de Vira-Latas”, de Nelson Rodrigues, publicada na extinta revista Manchete, em maio de 1958, pouco antes da Copa do Mundo da Suécia. Nessa competição, a seleção canarinha conquistaria o seu primeiro título em Mundiais.

Brasil
Os maiores medalhistas

No ranking de medalhas, o Brasil ocupa apenas a 19ª posição. Isso por conta da ausência de um ouro - as 18 seleções à sua frente já foram campeãs do torneio. Caso conquiste o ouro, o Brasil saltará para a sexta posição no ranking.



Quem também tem medalha de ouro
Iugoslávia, Polônia, Espanha, Alemanha, Tchecoslováquia, França, Nigéria, Itália, Suécia, Bélgica, Canadá, Camarões e México.

Brasil
As participações da seleção nos Jogos

Helsinque 1952
eliminada nas quartas, pela Alemanha, por 4 a 2, na prorrogação

Roma 1960
eliminada na primeira fase

Tóquio 1964
elminada na primeira fase

C. do México 1968
eliminada na primeira fase

Munique 1972
eliminada na primeira fase

Montreal 1976
4º lugar
perdeu a semifinal para a Polônia (2 a 0), e também disputa do bronze, para a União Soviética (2 a 0)

Los Angeles 1984
Prata
perdeu a final para a França, por 2 a 0

Seul 1988

Prata
perdeu a final para a União Soviética, por 2 a 1, na prorrogação

Atlanta 1996

Bronze
perdeu a semifinal para a Nigéria (4 a 3). Venceu Portugal na disputa do bronze por 5 a 0

Sidney 2000

eliminada nas quartas de final pela seleção de Camarões, por 2 a 1

Pequim 2008

Bronze
perdeu na semi da Argentina (3 a 0). Venceu a Bélgica (3 x 0) e ficou com o bronze

Londres 2012
Prata
perdeu a final para o México, por 2 a 1

O torneio
Dezesseis seleções vão disputar os Jogos. Elas foram divididas em quatro grupos de quatro equipes. Avançam às quartas de final as duas melhores de cada grupo.