Há 50 anos, para sempre Maior conquista da história do Náutico, hexacampeonato completa 50 anos neste sábado

Filipe Assis
esportes.pe@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/07/2018 03:00

Recife, 21 de julho de 1968. Uma multidão se espremia no antigo estádio dos Aflitos, com arquibancadas menores do que as de hoje. Ao todo, 31.061 pessoas (23.320 pagantes) foram ver a decisão do Campeonato Pernambucano. Pela quarta vez nos últimos seis anos, Náutico contra Sport. Mas, desta vez, o 0 a 0 resistia às finalizações perigosas dos dois times. E o duelo, dramático, foi para a prorrogação. Aos dois minutos do segundo tempo, esse jogo entrou para a história do futebol pernambucano. “O jogador que me lançou a bola, pelo lado esquerdo, foi Ede. Ele cruzou, e eu só fiz dar o tapa”, descreveu Ramos, autor do gol do título. O sexto consecutivo do Náutico. O gol do hexa. Uma conquista que, neste sábado, completa 50 anos.

A simplicidade com que Ramos descreve o gol mais importante do Náutico diz muito de quem ele é. João Reinaldo Ramos, hoje com 73 anos, não ostenta uma vida de luxo, como o hexa. Atualmente trabalha na recepção do setor de transportes do Ministério Público de Pernambuco.

“Eu cheguei lá em 2009. Era motorista. Em 2014 me promoveram. Foi uma coisa muito boa”, disse.

Assistir aos jogos do Náutico é uma de suas diversões. Mas, por causa da violência, evita levar os filhos e a neta de dez anos. Prefere ir sozinho, de ônibus, porque não gosta de dirigir até a Arena de Pernambuco. “Vou e volto sozinho. É bom, as pessoas me reconhecem no ônibus, falam comigo. Mas vou ser sincero...eu sinto saudade dos Aflitos”, admitiu.

Ramos não participou de toda a campanha do hexa. Chegou ao clube em 1968, quado o Timbu já era pentacampeão. Revelado nas divisões de base do Vasco, veio do Deportivo Português, um clube venezuelano. Ficou no Timbu até 1972. O auge de sua carreira no Alvirrubro foi justamente em 1968, quando foi decisivo naquele Estadual. Antes de marcar o gol do hexa, ele já havia feito o gol da vitória do Náutico por 2 a 1 contra o Sport na decisão do segundo turno, e o único gol do primeiro jogo da melhor de três que decidiu o título (o Sport ganhou o segundo jogo, forçando o terceiro jogo). Sobre a conquista de 1968, o ídolo alvirrubro recorda com alegria. Como se fosse ontem. “Foi uma emoção muito grande na minha vida. Me sinto muito orgulhoso”, disse.
 
A campanha
  • 100 vitórias
  • 24 empates
  • 16 derrotas
  • 368 gols marcados
  • 106 gols sofridos
Ano a ano
 
1963

Campeonato com oito clubes. O Náutico ganhou o primeiro turno. O Sport, o segundo.

18 vitórias
3 empates
6 derrotas
70 gols marcados
32 gols sofridos

Finais

19/01/1964
Ilha do Retiro
Sport  2  X  3  Náutico
Público: 19.553

22/01/1964
Aflitos
Náutico  4  X  2  Sport
Público: 17.217
 
1964
Campeonato com oito times. O Náutico ganhou os dois turnos e foi campeão invicto

19 vitórias
5 empates
0 derrota
80 gols marcados
20 gols sofridos
 
1965
Campeonato com 7 times. O Sport ganhou o primeiro turno. O Náutico, o segundo

16 vitórias
4 empates
4 derrotas
64 gols marcados
17 gols sofridos

Finais

09/12/1965
Aflitos
Náutico  2  X  0  Sport
Público: 13.043

12/12/1965
Ilha do Retiro
Sport  0  X  2  Náutico
Público: 16.435
 
1966
Campeonato com oito clubes. O Náutico ganhou o primeiro turno. O Sport, o segundo

20 vitórias
4 empates
3 derrotas
72 gols marcados
17 gols sofridos

Finais

14/12/1966
Aflitos
Náutico  2  X  0  Sport
Público: 14.736

18/12/1966
Ilha do retiro
Sport  1  X  1  Náutico
Público: 16.996

21/12/1966
Aflitos
Náutico  5  X  1  Sport
Público: 16.998
 
1967
Campeonato com 8 times. O Náutico ganhou os três turnos

11 vitórias
5 empates
0 derrota
31 gols marcados
6 gols sofridos
 
1968
Campeonato com oito times. O Náutico ganhou o primeiro e o segundo turnos. O Sport ganhou o terceiro

16 vitórias
3 empates
3 derrotas
51 gols marcados
14 gols sofridos

Finais

14/07/1968
Aflitos
Náutico  1  X  0  Sport
Público: 15.478

17/07/1968
Ilha do retiro
Sport  3  X  2  Náutico
Público: 13.719

21/07/1968
Aflitos
Náutico  1  X  0  Sport
Público: 23.320
 
Entrevista Ivan Brondi // Capitão do time do hexa, foi o atleta que mais vezes defendeu o Timbu no período

“A gente não teve moleza não”
 
Ele participou de toda a campanha do hexa. Esteve em campo em 126 dos 140 jogos que o Náutico fez de 1963 a 1968 pelo Campeonato Pernambucano. Era o capitão do time. A história de Ivan Brondi se confunde com a história do hexa. Identificação que ele levou para fora de campo.

Hexacampeão, se tornou colaborador fora dos gramados, a ponto de presidir o clube de 20 de dezembro de 2016 a 29 de agosto de 2017. Acima de tudo, um grande alvirrubro.
 
O que era o time do hexa?
Era um time de garotos. Determinado, disciplinado e que, modéstia à parte, sabia jogar futebol.

As novas gerações têm ideia da importância do hexa?
Se não têm, deveriam ter. Uma equipe com a média de idade baixa, com quase todos os jogadores originários do estado ou da região, conquistou seis campeonatos, dos quais dois invictos. Vai ser difícil aparecer outro time com a bagagem técnica que a gente tinha. Lula (Monstrinho) saiu para o Corinthians e, de lá, foi para a Seleção Brasileira. Nado, no Náutico, foi convocado para a Seleção. Rinaldo saiu daqui para ser titular do Palmeiras e foi convocado para a Seleção. Salomão foi para o Santos. Então você vê o nível que a gente tinha.

Dos seis campeonatos, qual foi o mais difícil?
Todos eles foram difíceis. O (jogo do) hexa foi mais difícil porque teve prorrogação e teve bola na trave do Sport. Mas a gente não teve moleza não. As pessoas podem pensar que a gente teve moleza. Moleza nada. É brincadeira. E outra coisa, a gente não saía daqui para fazer graça não. A gente saía para jogar contra o Palmeiras e complicava. A gente saía para jogar contra o Santos, de Pelé, e complicava.

Além dos dois títulos invictos, o Náutico decidiu quatro vezes contra o Sport. Qual o tamanho dessa rivalidade na época?
É verdade, as decisões sempre foram contra o Sport. Os ânimos eram muito acirrados. A gente tinha muita dificuldade. Eles tinham um potencial técnico e financeiro muito bom. Ninguém é eterno, né? Então nós fomos, de 1963 a 1968, os campeões aqui do estado. Aí o Santa Cruz veio, montou um bom time e foi pentacampeão.

No elenco do hexa, tinha algum jogador com quem o senhor tinha mais afinidade?
Eu me dava com todo mundo. Até hoje a gente se encontra, a gente conversa. Havia uma união muito grande. A gente nunca se estranhou. A gente era feliz e não sabia.

Qual é a sua lembrança de como foi o gol do hexa?

Foi uma jogada com o Ede, pela esquerda. O Ramos vinha acompanhando a jogada e escorou já na pequena área. A emoção foi uma coisa maravilhosa. Se não tivesse o gol de Ramos, a gente ainda iria para os pênaltis. Aí o Sport veio para cima da gente, e a gente ficou se defendendo. Não imaginamos que o título estava ganho. Foi muito sofrido. Quando acabou o jogo, a emoção foi uma coisa maravilhosa.
 
“Pensei que era uma jogada sem pretensão”

 
O jornalista Lenivaldo Aragão trabalhava no Diario em 1968 e assistiu ao jogo dentro de campo. Ele conta que, após uma partida extremamente equilibrada, não imaginava que aquela jogada pela esquerda, aos dois minutos do segundo tempo da prorrogação, resultaria no gol do hexa. “Eu achei que era uma jogada sem pretensão. Mas Ede tinha muita velocidade. Ele fez um lançamento para a direita, Ramos ia chegando e bateu de primeira. A bola ainda quase bate na trave”, relembra.

Para Lenivaldo, o time do hexa foi o melhor da história do clube. “Foi o melhor time do Náutico e um dos melhores de Pernambuco”, frisou. Um dos feitos da equipe alvirrubra foi derrotar o Santos de Pelé por 5 a 3, no dia 17 de novembro de 1966, no Pacaembu. Bita, o Homem do Rifle, ofuscou o melhor jogador do mundo ao marcar quatro gols.

O luxo
Imediatamente após o hexa do Náutico, o Santa Cruz conquistou o pentacampeonato estadual. Surgia aí, para Lenivaldo Aragão, a origem do termo “hexa é luxo”. “A partir do momento em que o Santa Cruz teve a chance de se igualar ao Náutico e não conseguiu, aí alguém criou isso, não se sabe ao certo quem, e todo mundo repetiu”.
 
O hexa nas páginas do Diario
 
Daniel Leal
esportes.pe@diariodepernambuco.com.br


Era 23 de julho de 1968. Uma terça-feira, dois dias depois de o Náutico conquistar o hexacampeonato pernambucano sobre o “Esporte”, grafia usada à época pelo Diario para referir-se ao Sport. Naquele ano, os jornais ainda não circulavam às segundas-feiras, mas uma publicação comemorativa chegou a ser publicada no dia 22. Infelizmente, uma versão perdida na história. Do registro vivo nos arquivos do Diario estão as páginas do dia 23, que trouxeram todos os detalhes da histórica tarde de domingo: “Náutico obteve décimo quarto título pernambucano em tarde de renda recorde”.

Daquelas linhas de 50 anos atrás, retratos mais atuais não poderia haver. Menções sobre arbitragem, superlotação dos Aflitos, invasão ao gramado e a tradicional análise da partida, que por incrível que pareça em pouco se diferencia de situações vistas atualmente. “Maior público de todos os tempos: 31.061 torcedores no estádio”, publicou. Foram 23.320 pagantes que proporcionaram uma arrecadação recorde de 57.913,00 cruzeiros novos.

“Os 120 minutos de disputa serviram também para demonstrar a grande realidade do futebol moderno: velocidade de jogo e preparo físico”, ressaltou o texto.

“A FPF estava programada para vender 26 mil ingressos, mas alertada pela polícia da impossibilidade da entrada de mais torcedores, encerrou as vendas 14 horas antes do jogo”, destacou o Diario.

Com o estádio lotadíssimo, a bola rolou por 90 minutos sem gols. Em destaque, uma curiosidade da partida. “No setor das arbitragens, a novidade de dois juízes para o mesmo jogo. O senhor Erilson Gouveia começando e o senhor Armindo Tavares concluindo”. O caso aconteceu em decorrência de uma distensão do primeiro. A saída foi “apontada como útil para ele que saiu logo entregando o comando do encontro sem definição depois de seu grave erro, numa penalidade máxima sofrida por Valter (do Náutico). E o primeiro árbitro ainda teve pecados capitais como aceitar passivamente as atitudes de rebeldia dos atletas”, destacou a matéria.

A tarde já caía no Recife quando, já na prorrogação, o atacante Ramos fez a torcida timbu explodir no Eládio de Barros Carvalho. “Foi em decorrência de uma jogada envolvendo os ponteiros Ede e Ramos que o segundo acertou com o carrinho as redes”.